Paulo Paixão
Almas jazem sob as águas
Nosso
bate-papo prosseguiu, mas, desta vez, no bar do Udinor aqui em Belém.
O amigo
queria saber as novidades de Santarém.
Entre uma
dose ou outra de cerveja e tira-gosto, ouvindo músicas regionais, conversamos:
- Desta vez, parceiro, fiquei
chocado com o que presenciei no rio Curuá-Una, acima da barragem da
hidrelétrica!
- Exatamente onde? - Atalhou o amigo confidente.
Sorvi
mais um gole e o informei já um tanto pesaroso:
- Na localidade de “Porto
Alegre”. Ficamos alojados por dois dias na hospitaleira casa do simpático
casal, seu Amaral e dona Estrela. Mas assim que chegamos (eu e alguns amigos)
deparamos de imediato com a imagem de desolação da natureza, em particular nas
águas paradas do verde rio Curuá-Una.
- Conte tudo – disse o amigo transparecendo
em seu semblante saber de antemão o que eu ia falar.
- O lindo rio de águas paradas,
encimado por troncos e troncos secos e acinzentados, do que ante fora frondosas
e verdejantes castanheiras (castanha-do-pará e sapucaia). Aquela paisagem de
pós-guerra nuclear ferira nossos corações e arrancara lágrimas de todos nós.
O parente
Udinor, também sorveu com ímpeto sua dose e desabafou:
- É isso, parente. Uma vez eu,
Dário, Vivi, Nilson, Alírio, Alex, Clóvis Neves fomos naquele pedaço morto do
rio fazer uma pescaria de mergulho. Sabe o que encontramos lá, parente, sob o
fundo turvo das águas?
- O quê? Apressei-me a perguntar.
- Um cemitério, cujas cruzes,
algumas já tombadas, foram testemunhas do massacre relâmpago e criminoso feito
à natureza.
- Parceiro – completei, eu – e total desrespeito às almas que se foram e
aos seus parentes que devem chorar por seus mortos e santuário sagrado.
Parceiro? Eles hão de pagar! Nosso Senhor está vendo este tipo de mutilação e
suas conseqüências já está ai nos noticiários do mundo todo.
Continuou
o Udinor:
- Encontramos casas, caiçara para
o gado, vasilhas, cheiro forte de metano, etc. E muito tronco de pau
apodrecendo... Em certas épocas parasitas infestam os peixes, principalmente o
tucunaré (vermes) que os dizimam e prejudicam a sobrevivência dos abnegados e
irredutíveis ribeirinhos.
Ficamos
alguns minutos em atroz silêncio e por fim comentei:
- Muita gente não sabe que esse
tipo de mutilação da natureza ocorre com a construção de hidrelétricas: morte
de todo tipo de seres vivos (animais, insetos e plantas).
- Tal perversidade acontecerá em
Belo Monte e, posteriormente, no rio Tapajós. Não adiantam as promessas da
tecnológica de ponta, haverá, sim, grande impacto ambiental. Tais empreendimentos
são nocivos à preservação da natureza e à continuidade da vida, em todos os
seus sentidos, principalmente ao homem!
Voltamos daquele lugar remoto -
onde as águas do Curuá-Una outrora se esvaíam intrépidas e cristalinas, agora,
paradas e desoladas por léguas e léguas, sufocando sob seu peso a história
milenar de uma floresta, antes bela exuberante – revoltados com a
irresponsabilidade dos empreendedores capitalistas, que querem toda riqueza
para si, à custa de vidas, tal como o vêm fazendo por toda a história humana.
- Parente, disse o Udinor, de hoje em diante pode escrever, serei um
soldado ou mesmo um guerrilheiro que irei empunhar armas para defender das
garras dos predadores capitalistas o último santuário intocado que existe no
mundo... A nossa Amazônia, então, guerra aos projetos Belo Monte e Rio
Tapajós. Vamos resistir!