Em 2009,
foi premiado com o Oscar de melhor filme uma película britânica ambientada na Índia
com o título Quem quer ser um milionário?, em que um rapaz indiano muito pobre
disputava um programa de auditório com dez perguntas, que foram respondidas
corretamente e ele venceu o prêmio.
Outro
filme que pode servir de paradigma a esta coluna é A corrida do ouro, de
Charles Chaplin. Seu personagem perambula pelo Alasca em busca de uma montanha
de ouro. Carlitos a encontra, mas depois a perde, pois sua casa se move em uma
tempestade de neve.
Imagine
você, caro leitor, a seguinte situação. Passeando em um terreno (que pode ser
uma praça), você tropeça em uma “pedra estranha”, que tem uma coloração
diferente e a envia para uma análise mineralógica. O laudo aponta que aquela
rocha contém ouro e que, portanto, você encontrou uma mina de ouro naquele
local. A quem esta jazida pertence? No Brasil, desde 1934, quando “nasceram”
como gêmeos univitelinos o Código de Minas e a Constituição do mesmo ano, até a
atual Constituição, os recursos minerais pertencem ao Estado brasileiro.
Todavia, na forma da legislação minerária hoje em vigor, se você tiver sido o
primeiro a registrar no DNPM (Departamento Nacional de Propriedade Mineral)
esta “ocorrência mineralógica”, a jazida será sua, que poderá explorá-la obedecendo
as normas e pagando os impostos e royalties que a legislação impõe. Este
instituto é conhecido como “direito de precedência” ou “direito de prioridade”,
e tem a ver com um princípio conhecido como “first come, first served” que se
pode traduzir como “quem chegou primeiro deve ser servido primeiro”. Assim,
caro leitor, à luz das regras atuais você seria um milionário. Parabéns.
Veja que
em algumas situações encontrar esse tipo de minério pode ser mais rentável que vencer
sozinho na Mega Sena. Claro que se trata de coisas diferentes, pois os
investimentos que devem ser realizados para explorar uma jazida e transformá-la
em mina são enormes e possuem diversas variáveis. Por exemplo: suponhamos que
emseu “tropeção da sorte” você tenha encontrado uma mina de ferro — excelente,
não? Mas que esta ocorrência tenha sido “no quintal” de um edifício na Avenida
Paulista, no centro nevrálgico de São Paulo. A regra acima descrita permanece
válida, mas o custo de exploração poderá tornar inviável a transformação
daquela jazida em mina, uma vez que será necessário indenizar os “superficiários”
pelas benfeitorias realizadas, além das demais obras de infraestrutura que são
imprescindíveis para se colocar essa indústria em funcionamento
de forma minimamente rentável. Desculpe, caro leitor, você achou o “veio”, mas
não vai ganhar nada ou quase nada — tirou um terno no concurso da Mega Sena.
Todavia,
mudando o quadro, imagine que você encontrasse essa esta mesma “pedra estranha”
durante uma pane ocorrida durante um voo de helicóptero que realizasse sobre
uma serra no interior do Pará e fizesse o registro no DNPM. O
minério
seria seu e você poderia estar sobre Serra Pelada, uma montanha de ouro hoje
reduzida a uma cratera pela exploração garimpeira. Apenas para registro,
informo aos leitores que desconhecem os meandros da história: consta que em
1976 foi descoberto minério de ferro em Serra Pelada, que fica na região de
Carajás, no Pará, exatamente da forma descrita nesse parágrafo, por um geólogo
do DNPM, de nome Breno Augusto dos Santos.
Como o
DNPM é um órgão público, o geólogo achou, mas não ficou com a riqueza. Em 1979 garimpeiros
descobriram ouro naquele local, transformando em cava o que era serra.
Pois bem,
tudo que foi acima descrito sobre o Princípio da Prioridade ou Precedência vai cessar
caso seja aprovado o projeto de Código de Mineração enviado em 18 de junho pelo
poder Executivo ao Congresso Nacional (Projeto de Lei 5.807/2013), felizmente
sob a forma de projeto de lei e não como medida provisória. Na forma desse projeto,
quem encontrar uma “pedra estranha” e informar ao DNPM (ou a agência no qual se
transformará pelo projeto de lei, a Agência Nacional de Mineração), este deverá
proceder à licitação para a exploração da área, quando, então, todos os interessados
poderão se habilitar para explorar aquela jazida, pagando ao Estado por isso.
A
proposta muda o modelo, o que é legítimo, pois trata-se de um ato político, de
governo. As normas podem ser alteradas, desde que não mudem as regras do jogo
que está sendo jogado, validando-as apenas as próximas partidas.
A
pergunta que fica é: aprovado o modelo proposto, que acaba com o Princípio da Precedência,
teremos mais ou menos investimentos na atividade de pesquisa minerária?
Coloque-se no lugar acima descrito e responda: você investiria em pesquisas
mineralógicas sabendo que, quando encontrar o bem este deverá ser licitado, e
quem não aportou um centavo naquela atividade poderá ficar com o direito de
explorar aquela riqueza? Eu penso que os investimentos vão cair, na contramão do
que está sendo esperado. Tudo leva a crer, caro leitor, que você,
individualmente falando, não ficará milionário com sua descoberta.
Ou seja,
primeiro ponto: o projeto de Código Minerário em discussão na Câmara dos Deputados
reduz a liberdade dos indivíduos minerarem e amplia a atuação estatal, o que
indica uma redução de investimentos, em sentido oposto ao alardeado.
Por outro
lado, e apenas para prosseguir na análise, existe um segundo ponto a ser
analisado: o projeto propõe ampla majoração de carga fiscal sobre a atividade
de mineração.
Este
aumento está representado por vários fatores de Direito Financeiro e Administrativo:
1) pela
majoração das alíquotas da CFEM (royalty minerário), cuja alíquota-base passa
de 2% (podendo chegar a 3%) para uma alíquota-teto de 4%;
2) na modificação
dos instrumentos legais de alteração dessa alíquota, a qual hoje é estabelecida
por lei, e passa, pela proposta, a ser implementada por Decreto, via escala
móvel, o que gera maior insegurança jurídica e econômica para investimentos de tão
longo prazo de maturação;
3) pela
redução dos abatimentos na base de cálculo da CFEM, pois, pelo projeto, não
mais será possível abater o custo com transporte e seguro, mantido apenas o abatimento
com os tributos. Logo, as minas que se encontram mais distantes dos centros de beneficiamento
serão mais penalizadas;
4) na
criação de mais uma Taxa de Fiscalização, ao lado das que vários Estados da
Federação já criaram e encontram-se em debate no STF;
5) pela
manutenção da Taxa Anual por Hectare (TAH), com o nome de “pagamento pela
ocupação ou retenção de área”;
6) na
criação de cobranças como “bônus de assinatura”, semelhante ao que existe no
setor de petróleo, cujo modelo regulatório não é adequado para a realidade
minerária brasileira atual;
7) pela criação
do “bônus de descoberta”, conceituado como um valor devido à União a ser pago
após a “declaração de comercialidade” do bem mineral, o que não existe sequer
no setor de petróleo, utilizado como paradigma para o projeto enviado;
8) na
criação de algo que foi intitulado como “participação no resultado da lavra”,
que se constitui em um valor devido à União que pode ser usado como critério de
julgamento nos processos licitatórios, e que, tudo indica, teve como inspiração
a sistemática de contrato de partilha do setor petrolífero, com (pelo menos)
aparente resvalo no artigo 176 da Constituição, que garante ao concessionário a
propriedade do produto da lavra.
Isso tudo
sem falar dos aspectos de direito sancionatório contidos no projeto, que elevam
enormemente as penalidades pecuniárias que podem ser impostas, como multas administrativas
de até R$ 100 milhões ou 50% do valor da CFEM, sendo aplicado “o que for
maior”. Ou ainda, multas diárias de até R$ 100 mil, o que, em singelos 30 dias,
pode gerar aos cofres públicos, que aplicam estas medidas e as julgam administrativamente,
importâncias gigantescas. E isso pode ser aplicado tomando por base “cada
infração”, o que potencializa o alcance econômico da medida.
Enfim, os
itens acima indicam fortemente aumento da carga fiscal, sem que tenham sido tratados
alguns aspectos importantíssimos que se encontram em debate e que se constituem
em efetivos problemas no setor, tais como:
a) a
exata determinação dos tributos que podem ser abatidos da base de cálculo, por
exemplo, no caso de incentivos fiscais ou de parcelamentos de tributos realizados
em sistemas como o Refis;
b) amplia
o espaço para a criação de taxas municipais sobre minérios, petróleo e energia
elétrica, além de taxas estaduais sobre estas duas últimas atividades econômicas,
pois a norma constitucional que ampara a pretensão federal é a mesma que pode amparar
a das demais unidades federadas;
c) não
tratou da incidência sobre o direito dos superficiários quando estes não forem
proprietários formais, mas ocupantes ou possuidores de títulos provisórios.
E, não se
pode esquecer, quanto maior a carga fiscal, maior o custo dos produtos. Não percamos
de vista que o principal comprador de nossos bens minerais é a China, que tem
como fornecedor das mesmas matérias primas à Austrália, país que tem menor
custo fiscal (incluindo os tributos) e de transporte do que existe no Brasil.
É isso
que se deseja para o Brasil? Tudo pode ser feito por quem tem “tinta na caneta”
para criar normas, mas as consequências devem ser bem analisadas. Pode-se
deixar a riqueza mineral do Brasil intocada, mas quais serão as consequências a
curto, médio e longo prazo para a população brasileira? Será que o preço das
commodities minerais permanecerá em alta? Como os entes públicos estão se preparando
para a escassez desses recursos, que se constituem em bens não renováveis?
Minério não dá duas safras; vida humana, decente e digna, também não.
Esta
situação lembra a fábula da galinha dos ovos de ouro. Pode-se usar os ovos com parcimônia
ou com avidez. Trata-se de uma opção política. O que não é prudente é matar a
galinha.
Equilíbrio
decisório é o que se busca por ocasião dos debates parlamentares.
Autor(a):
Fernando Scaff
Fonte:
Consultor Jurídico
Data:
13/08/2013