Há muito tempo que as reclamações
diversas se espraiaram para o âmbito do licenciamento ambiental/mineral
municipal.
E, todos procuram que seja
aberta a brecha para sacrificá-lo de vez. Se a moda pegar...
Já o chamavam antes de
demorado, caro, complicado, burocrático, mas agora o termo da vez é: refratário.
Ao conversar com empreendedores, servidores e consultores percebo que para a
maioria o licenciamento ambiental/mineral é na verdade um porre.
Tem-se a impressão de que se
o empreendedor e o próprio poder público pudessem fugir do licenciamento
ambiental/mineral usando quaisquer meios que fossem possíveis, o fariam.
Se não der para escapar do licenciamento
ambiental/mineral como um todo, então se tenta evitar ao menos o licenciamento
ambiental estadual, a famigerada SEMA, fragmentando o empreendimento em
empreendimentos menorzinhos que poderiam se encaixar no porte previsto pelas
resoluções do COEMA como sendo licenciamento de âmbito municipal – prática esta
que vai além dos interesses do licenciamento.
Já o município, sob a guarda
dos princípios constitucionais, ainda que evite o autolicenciamento a seu modo,
também fará tudo que estiver ao seu alcance para que o licenciamento de suas
obras seja por ele conduzido, evitando o licenciamento ambiental/mineral
estadual.
Por hora entendemos que no
município tudo fica mais fácil, mais próximo, mais influenciável. E isso não é
ruim. É no município que a realidade acontece. É seu, o conhecimento específico
da geografia, das condições sociais e econômicas, das suas necessidades e de
seus recursos. O quadro funcional técnico do Estado não está próximo o
suficiente das mazelas locais. Mas há sim um lado negativo. Enquanto alguns
municípios ainda vêm se adequando ao compromisso com a Lei Complementar
140/2010 e ao disposto na Resolução COEMA 116/2014, outros mais experientes e
na contramão das políticas de proteção ao bem comum, talvez cansados da
choradeira, vêm desmantelando suas equipes técnicas de profissionais
comprometidos, na justificativa de dar mais fluidez aos processos de
licenciamento ambiental. Interessante estratégia: remanejar pessoal para ver se
a coisa anda, como se trocando as pessoas mudar-se-iam as normas a que estas
pessoas precisam se submeter. Se a lógica é de que o licenciamento ambiental
atravanca o progresso, a consequência imediata é colocar este último à frente
do primeiro, invertendo o que chamaríamos genuinamente de desenvolvimento.
Enquanto as abóboras não se
ajeitam, poucos percebem que o foco, tanto da administração pública como da
iniciativa privada, não deveria estar no licenciamento ambiental em si.
Poucos se perguntam ao final das contas para que serve o licenciamento
ambiental já que este causa tantos transtornos. A lógica da ignorância
desenvolvimentista vai afirmar que ele está lá, tem que ser feito e pronto. É
uma exigência do governo, mais uma forma de arrecadação, mais um dos tantos
entraves ao desenvolvimento. Este equívoco é de ordem intelectual e por isso
indiretamente demonstra o nível de inteligência do nosso povo.
Uma das queixas na demora do
licenciamento ambiental que assola também outros tantos trâmites da
administração pública municipal, estadual e federal é a famigerada burocracia.
Para que tanta burocracia?
Vamos por partes...
Primeiro é preciso deixar
claro aqui, que os servidores públicos, aqueles que trabalham para emitir a
licença, também odeiam a burocracia tanto e possivelmente muito mais do que
você.
Ninguém gosta de burocracia.
Ninguém quer burocracia. Mas infelizmente o empreendedor dispõe de uma
criatividade ilimitada para burlar qualquer coisa, seja vendendo a mesma terra
três vezes, despejando resíduos industriais em áreas lindíssimas da natureza,
captando água sem qualquer cuidado, despejando efluentes da mesma forma,
comprando e vendendo madeira nativa sem qualquer controle, destruindo florestas
essenciais à qualidade da água, contaminando tudo sem escrúpulos, dizendo uma
coisa e fazendo outra, roubando identidades, forjando documentos, desrespeitando
diretrizes e projetos, se vendendo à corrupção ou corrompendo, se apadrinhando,
se comprometendo politicamente com o que é proibido por lei, se fazendo de
leitão para mamar deitado, ou simplesmente posando de poderoso. Boa parte da papelama
está lá hoje porque alguém como ele, algum dia e de alguma forma encontrou uma
maneira de furar o esquema e tirar vantagem para si.
Afinal, para que levar tudo
tão a sério? Nesse trajeto o empreendedor aprendeu a fingir, mentir e gostar de
suas habilidades de malandro que compartilha nos churrascos de fins-de-semana. Ninguém
não se importa mais. A consequência desta malandragem é a construção monumental
daquilo que hoje se reclama, e que demora, ah se demora… A burocracia que todos
temos que aguentar é em boa parte culpa da malandragem.
A administração pública,
precisa primar pelo direito público e muito seria resolvido se se percebesse
numa coletividade,
e se incluísse nesta coletividade as plantas, os animais, o solo, a água e o ar,
as pessoas que trabalham, as pessoas que compram as coisas que se vende, e as
pessoas que contam com os seus serviços dependem.
Todos querem menos
burocracia. Bons eram aqueles tempos em que a palavra bastava.
Hoje é preciso papel de
muitos tipos e em várias vias, assinadas, carimbadas, reconhecidas,
registradas, tudo isso com os nomes e os números verdadeiros e verificáveis
daqueles que se responsabilizam pela informação, porque a bem da verdade
bastaria o empreendedor ser responsável. Talvez, à medida que se mostra
parceiro de algo muito maior que seu empreendimento, poderá a burocracia
retroceder, mas acho difícil. Imagine. Por enquanto, sugiro que você
faça o mesmo que eu: reconheça na burocracia a maneira (des)inteligente de
fazer as coisas.
Já a outra parte da culpa de
vivermos hoje com tanta burocracia talvez caiba sobre o nível educacional do
povo que trabalha neste, e às vezes por este, país. Muito poderia ser
simplificado se houvesse motivação e amor à pátria.
__________________________________________________________________________
Adaptado do artigo Crítica à lógica da ignorância desenvolvimentista na construção do mito da demora, de autoria de Fernando J. Soares publicado em Ecodebate.