10 de outubro de 2019

A ‘maldição’ dos recursos naturais

Joseph E. Stiglitz
Prêmio Nobel de Economia e professor da Universidade de Colúmbia

“Países podem criar instituições, políticas e leis necessárias para assegurar que os recursos
beneficiem todos os cidadãos”
Novas descobertas de recursos naturais em vários países africanos — incluindo Gana, Uganda,
Tanzânia e Moçambique — levantam uma questão importante: serão uma bênção que trará
prosperidade e esperança ou uma maldição política e econômica, como tem sido o caso em
tantas nações?
Na média, países ricos em recursos têm tido pior desempenho do que os carentes. Têm
crescido mais vagarosamente e com maior desigualdade — o oposto do que seria de esperar.
Afinal, cobrar impostos altos sobre recursos naturais não os fará desaparecer; países cuja
maior fonte de receita são os recursos naturais podem usá-los para financiar educação, saúde,
desenvolvimento e redistribuição de renda.
Uma ampla literatura nas ciências econômica e política explica essa “maldição dos recursos”, e
grupos da sociedade civil (tais como Revenue Watch e Extractive Industries Transparency
Initiative) foram criados para tentar contê-la. Três dos ingredientes econômicos da maldição
são bem conhecidos:
-Países ricos em recursos tendem a ter moedas fortes, que dificultam outras exportações;
-O desemprego sobe porque extração de recursos gera reduzida criação de postos de trabalho;
-Preços voláteis de matérias-primas resultam em crescimento instável, o que é ajudado por
bancos internacionais que entram quando a cotação das commodities está em alta e saem na
baixa (refletindo o princípio de que banqueiros emprestam apenas para aqueles que não
precisam do dinheiro).
Além disso, países ricos em recursos com frequência deixam de adotar estratégias de
crescimento sustentável. Não reconhecem que, se não reaplicarem sua riqueza natural em
investimentos produtivos, estarão na realidade se tornando mais pobres. A disfunção política
exacerba o problema: conflitos em relação à renda produzida pela riqueza natural levam à
corrupção e a governos não democráticos.

Há antídotos bem conhecidos para esses problemas: câmbio desvalorizado, um fundo de
estabilização, investimento cuidadoso da receita das commodities (inclusive na população do
país), suspensão do endividamento e transparência (de forma que os cidadãos possam pelo
menos “ver” o dinheiro entrando e saindo). Mas há um consenso crescente de que essas
medidas, embora necessárias, são insuficientes.
Em primeiro lugar, necessitam fazer mais para assegurar que seus cidadãos recebam o valor
integral dos recursos. Há um inevitável conflito de interesse entre companhias que investem
em riquezas naturais, geralmente estrangeiras, e o país hóspede: as primeiras querem
minimizar o que pagam, os últimos desejam maximizar o que recebem. Leilões bem
concebidos, competitivos e transparentes podem gerar muito mais receita do que acordos de
pai para filho. Os contratos devem também ser transparentes e devem assegurar que, se os
preços subirem — como fizeram repetidamente — os lucros não irão apenas para as
companhias.
Infelizmente, muitos países já firmaram maus contratos que dão uma fatia desproporcional do
valor dos recursos para empresas privadas estrangeiras. Mas há uma resposta simples:
renegociar; se isto não for possível, as nações devem tributar lucros inesperados.
Em todo o mundo, os países têm feito isto. Naturalmente, as companhias vão resistir,
enfatizando a inviolabilidade dos contratos e ameaçando deixar o país. Mas, tipicamente, o
desfecho é diferente. Uma renegociação justa pode se tornar a base de uma relação melhor a
longo prazo. A renegociação de tais contratos por Botswana assentou as fundações de seu
notável crescimento nas últimas quatro décadas. Além disso, não são apenas países em
desenvolvimento, tais como Bolívia e Venezuela, que renegociam; nações desenvolvidas, como
Israel e Austrália, também o fizeram. Mesmo os EUA impuseram um imposto sobre lucros
inesperados.
Igualmente importante é que o dinheiro proveniente dos recursos naturais seja usado para
promover o desenvolvimento. As velhas potências coloniais consideravam a África
simplesmente uma fonte de extração de recursos. Alguns dos novos compradores têm atitude
similar.
A infraestrutura (rodovias, estradas de ferro e portos) foi construída com apenas um objetivo
em mente: tirar os recursos do país ao menor preço possível, sem qualquer esforço para
processá-los no lugar de origem, muito menos para desenvolver indústrias locais baseadas
neles.
Desenvolvimento real requer a exploração de todas ligações possíveis. Aturalmente, esses
países podem não ter vantagens comparativas em muitas dessas atividades, e alguns
argumentam que cada país deveria se fixar naquilo em que é forte. Nesta perspectiva, a
vantagem comparativa dessas nações é ter outros países para explorar seus recursos.
Isto é errado. O que importa é vantagem comparativa dinâmica, ou vantagem comparativa a
longo prazo, que pode ser desenvolvida. Há 40 anos, a Coreia do Sul tinha vantagem
comparativa na cultura de arroz. Se tivesse se limitado a ela, não seria o gigante industrial que
é hoje. Poderia ser o mais eficiente produtor de arroz do mundo, mas ainda seria pobre.
As empresas dirão a Gana, Uganda, Tanzânia e Moçambique para agirem rapidamente, mas há
boas razões para que eles se movam segundo seus interesses. Os recursos não desaparecerão
e os preços das commodities têm estado em alta. Enquanto isso, esses países podem criar
instituições, políticas e leis necessárias para assegurar que os recursos beneficiem todos os
cidadãos.
Recursos naturais devem ser uma bênção, não uma maldição. Eles podem ser, mas isto não
ocorrerá por si só. E não acontecerá facilmente.

Fonte: O GLOBO
Data: 20/08/2012

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