30 de setembro de 2010

PALAVRÕES TAMBÉM SÃO IMPORTANTES

 (Luís Fernando Veríssimo)

Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos.
É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português  Vulgar que vingará plenamente um dia. Sem que isso signifique a "vulgarização" do idioma, mas apenas sua maior aproximação com a gente simples das ruas e dos escritórios, seus sentimentos, suas emoções, seu jeito, sua índole.

"Pra caralho", por exemplo.
Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que "Pra caralho"?
"Pra caralho" tende ao infinito, é quase uma expressão matemática.
A Via-Láctea tem estrelas pra caralho, o Sol é quente pra caralho, o universo é antigo pra  caralho, eu gosto de cerveja pra caralho, entende?

No gênero do "Pra caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "Nem fodendo!".
O "Não, não e não!", assim como o "Absolutamente Não" já soam sem nenhuma credibilidade.
O "Nem fodendo" é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida.
Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência.
Solte logo um definitivo Marquinhos, presta atenção, filho querido, NEM FODENDO!".
O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Caetano Veloso.

Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra escarados
blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional.
Como comentar a bravata daquele chefe idiota senão com um "é PhD porra nenhuma!", ou "ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!".
O "porra nenhuma", como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha.

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um "Puta-que-pariu!", ou seu correlato Puta-que-o-pariu!", falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba. Diante de uma notícia irritante qualquer um "puta-que-o-pariu!" dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cu!"?
E sua maravilhosa e enforcadora derivação "vai tomar no meio do seu cu!". Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável!, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta:
 "Chega! Vai tomar no meio do seu cu!". Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e saia à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu!". E sua derivação mais avassaladora ainda:  "Fodeu de vez!".
Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável  de ameaçadora complicação? Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e auto-defesa.
Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar:
O que você fala? "Fodeu de vez!". 

Sem contar que o nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela fala.
Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"? O "foda-se!" aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor.  Reorganiza as coisas. Me liberta.
"Não quer sair comigo? Então foda-se!".
"Vai querer decidir essa merda sozinho (a) mesmo? Então foda-se!".
O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição Federal.
*Liberdade, igualdade, fraternidade e Foda-se!.*

Um comentário:

Alê disse...

Tinha que ser o Verissímo, pra retratar tão bem assim nosso cotidiano só ele rsrsrs.