4 de setembro de 2005

O futuro da vida no Planeta

Data: 3/9/2005

A distribuição geográfica de cada espécie que habita o nosso Planeta seja de microorganismos, vegetais ou animais, é determinada por uma série de parâmetros do ambiente, que incluem temperatura, quantidade de luz, umidade, espécies competidoras, comensais etc. Somente encontraremos indivíduos de uma dada espécie em locais que oferecem as condições necessárias e suficientes para a sua sobrevivência, crescimento e reprodução. Nossa espécie, graças ao tipo e grau de inteligência diferente, constitui uma completa exceção a essa regra, uma vez que, há milhares de anos atrás, aprendemos a modificar o ambiente, adaptando-o às nossas necessidades e conveniências. Há cerca de 15.000 anos, "inventamos" a agricultura, quando aprendemos a cultivar e modificar geneticamente as plantas de interesse, selecionando-as no sentido de eliminar características de defesa (espinhos, pêlos urticantes, compostos químicos desagradáveis ou tóxicos etc.) e desenvolvendo características de interesse, tais como frutos maiores e mais palatáveis, sementes que permanecem nas espigas até amadurecerem etc. Os animais foram domesticados, selecionados para redução da agressividade e aumento da docilidade, e, no caso das aves, para aumento do número anual de ovos, etc. Ao longo da nossa história, crescemos em número (somos hoje 6,7 bilhões de pessoas e seremos 9,37 em 2050) e modificamos quase todo o Planeta. Graças aos avanços científicos, tomamos consciência de que nossa sobrevivência na Terra está fortemente ligada à sobrevivência das outras espécies e que nossos atos, relacionados às alterações no Planeta, podem colocar em risco nossa própria sobrevivência. O fantástico desenvolvimento da Biologia Evolutiva e dos programas de modelagem aplicáveis à Biologia, permitem avaliar os possíveis efeitos das mudanças climáticas sobre a biodiversidade. Dessa forma, podemos, a partir dos dados climáticos atuais, deduzir tendências de mudanças, e fazer predições bastante acuradas sobre as possíveis conseqüências para a biodiversidade de uma região e do Planeta. O estudo, realizado por Marinez Ferreira de Siqueira em colaboração com Andrew Townsend Peterson, da Universidade do Kansas, EUA, foi publicado na revista Biota Neotrópica. Foi estudada a distribuição geográfica de 162 espécies arbóreas do Cerrado brasileiro. O estudo ficou limitado a espécies da distribuição geográfica ampla, utilizando para cada espécie dados obtidos para 30 ou mais localidades de sua ocorrência. Conhecendo a distribuição geográfica de cada espécie e utilizando a técnica de modelagem de "nicho ecológico", os autores puderam, com auxílio de modelos de circulação existentes (HadCM2), estimar os possíveis efeitos das mudanças climáticas previstas sobre a distribuição geográfica e mesmo a sobrevivência/extinção de cada espécie. O estudo envolveu dois cenários previstos para os próximos 50 anos: * um mais conservador (aumento de 0,5% de CO2 por ano); * um menos conservador (aumento de 1% de CO2 /ano). Em todos os casos, os resultados indicaram uma redução de, no mínimo, 50% da distribuição geográfica de cada uma das espécies (muitas com redução de mais de 90% da área atual). Considerando o cenário mais conservador, 18 espécies não teriam área habitável; pelo cenário menos conservador, esse número subiria para 56. Estas espécies seriam extintas. A redução acentuada da área coloca em risco a sobrevivência de uma espécie. Cabe comentar que espécies endêmicas, de distribuição muito restrita - não incluídas no estudo - são muito mais especializadas e, portanto, potencialmente muito mais vulneráveis que as de ampla distribuição. Estas últimas possuem um maior reservatório genético; muitas vezes apresentam ampla "norma de reação": seu genótipo confere a capacidade de viver e adaptar-se a uma gama mais abrangente de ambientes. Na Nature (8/1/03) foi publicado um artigo sobre o mesmo assunto (Thomas et al.), mas de abrangência muito mais ampla, cobrindo a maioria dos continentes, incorporando dados de muitos autores e incluindo mamíferos, aves, sapos, répteis, borboletas, outros invertebrados e plantas. A área analisada cobre cerca de 20% da superfície terrestre. Para as análises, os autores cunharam a expressão "envelope climático" , que representa as condições nas quais as populações de uma dada espécie persiste frente a seus competidores e inimigos naturais. A distribuição futura de cada espécie, assim, pode ser estimada supondo a permanência do "envelope climático" atual, podendo ser projetada para o futuro.
Três cenários climáticos foram considerados para 2050:
1- mudanças mínimas (aumento médio de temperatura: 0,8º a 1,7ºC e de CO2 de 500ppm por volume);
2- cenário de mudanças médias (aumento de 1,8º a 2,0ºC, e de CO2 500-550ppm/v) e
3- cenários de mudanças máximas esperadas (mais de 2,0ºC e de CO2 maior que 550ppm/v).
As análises indicam que, no caso de mudanças mínimas, podemos esperar a extinção de cerca de 18% das espécies, no de mudanças médias, cerca de 24% das espécies; no cenário de mudanças extremas, devemos esperar que cerca 35% das espécies serão levadas à extinção. As conclusões dos artigos mencionados podem parecer exageradamente catastróficas. Mas temos que considerar que são projeções feitas a partir de dados atuais, e que oscilações climáticas acentuadas já vêm sendo noticiadas. Devemos considerar que desde a década de 90, numerosas publicações, em revistas científicas de destaque internacional, têm salientado a necessidade da preservação das áreas nativas, especialmente das florestas tropicais, cuja importância transcende a conservação da biodiversidade no Planeta, em vista de sua enorme importância no ciclo das águas. Na RIO'92, foi dado um destaque especial para a conservação da biodiversidade - o que serviu para desencadear a consciência sobre a interação de todas as espécies (inclusive a nossa) e as conseqüências de possíveis desequilíbrios gerados pelas atividades humanas. Ao contrário da "Revolução Verde", passou-se a buscar maior produtividade por área nas plantas cultivadas e manejo integrado em muitos casos, com o objetivo de alimentar a crescente população humana, com a menor destruição possível de áreas nativas.
Já no início do Século 21, outra reunião da ONU finalizou as negociações do "Protocolo de Kyoto", um acordo visando reduzir as emissões de CO2 para a atmosfera, diminuindo o risco de aumento da temperatura. "Por essas razões, é importante que os pesquisadores analisem as tendências atuais e as conseqüências prováveis dos nossos atos enquanto houver ainda uma possibilidade de redução desses efeitos catastróficos." (Helga Winge - Revista Eco 21, março/2005) ***
Clima
O clima em nossa atmosfera exerce enorme poder sobre a vida de praticamente todos os seres da Terra. Perceber que estamos influenciando tamanho poder natural é assustador. Primeiro porque significa que nos tornamos uma influência geofísica no planeta, como de fato nos tornamos. Segundo, pela responsabilidade que isto implica. A atmosfera terrestre é composta por uma série de gases, entre os quais vapor d'água, dióxido de carbono (CO2) e metano, que retêm o calor das radiações solares. Estes gases de efeito estufa são capturados pelos oceanos, florestas e pastagens, como parte natural do ciclo de carbono. Desde o inicio da Revolução Industrial, no entanto, as ações do homem vêm contribuindo significativamente para o aquecimento global, na medida em que liberamos mais gases de efeito estufa e diminuímos, muitas vezes através de queimadas (que liberam ainda mais CO2) a cobertura florestal. Nos últimos dois séculos, a concentração atmosférica de gases de efeito estufa aumentou de 280 ppm (partes por milhão) para 370 ppm, devido principalmente ao uso de combustíveis fósseis e à queima de florestas. Durante o último século, a temperatura mundial aumentou em cerca de 1ºC e as estimativas são de que aumente mais 1 a 5ºC nos próximos 100 anos. A última variação de 4 a 5ºC, no entanto, demorou cerca de 10.000 anos (desde a última era glacial) para ocorrer, período durante o qual as espécies do planeta tiveram tempo para se adaptarem às mudanças, queira por seleção natural, queira pelo eventual deslocamento de florestas (sementes e mudas ao Norte da floresta brotam, por exemplo, enquanto as árvores ao Sul vão morrendo). O problema é que uma variação de, digamos, 4ºC em um período de apenas 100 anos não daria a muitas espécies da Terra tempo suficiente para adaptarem-se às mudanças e milhares delas, possivelmente ecossistemas inteiros, seriam perdidas. O maior perigo de iniciarmos (ou continuarmos em) um processo ameaçador para milhares de espécies é que estamos apenas começando a compreender a susceptibilidade destas à variações climáticas e o papel de diversas espécies nos equilibrados ecossistemas mundiais e, conseqüentemente, em nossas próprias vidas. Um clássico exemplo é o das lontras da floresta kelp (uma alga gigante) na Califórnia, que foram caçadas até a beira da extinção por seu pêlo. Colocado da forma mais simples possível: estas lontras se alimentavam primordialmente de ouriços, que por sua vez se alimentavam de kelp. Sem as lontras, os ouriços proliferaram-se e praticamente destruíram a alga, e com ela toda a base desta floresta oceânica. Uma vez notado o ocorrido, as lontras foram protegidas por lei e, gradativamente, a floresta também voltou a florescer. Como podemos notar no exemplo acima, o problema com as espécies chaves é que normalmente percebemos que são "chaves" somente após seu quase desaparecimento. Neste caso tivemos sorte pois as lontras e as algas não foram destruídas além de seu ponto de retorno e a floresta pôde recuperar-se em um período relativamente rápido. Há, no entanto, outras espécies chaves de maior importância para ecossistemas mais significativos do que a floresta kelp na Califórnia, e sua existência está cada vez mais ameaçada pela elevação da temperatura global. Um claro exemplo disto são os recifes de coral ao redor do mundo que, embora cubram apenas 1% da superfície oceânica, abrigam ¾ de todas as espécies de peixes marinhos. No final da década passada, 10% dos corais do mundo foram perdidos devido a uma variação média de 1ºC na temperatura da água durante apenas 10 semanas. Especialistas consideram que dois terços de nossos corais estão em risco de morrerem devido principalmente à elevação da temperatura mundial. Caso isto ocorra, é provável que metade dos peixes do oceano desapareçam. Por que conhecemos tão pouco sobre as funções e a sensibilidade de espécies chaves até mesmo para nossa própria sobrevivência (como é o caso de muitos microorganismos), todo cuidado é pouco. Como se não bastasse estarmos aumentando o ritmo de mudança na Terra, estamos destruindo habitats e diminuindo a biodiversidade que torna as espécies e ecossistemas mais capacitados a adaptarem-se às novas condições. A atmosfera terrestre é possivelmente o assunto mais unificador que existe, pelo simples fato de que nossa atmosfera é uma só, é do interesse de todos que seja preservada, e qualquer campanha para solucionar a aceleração do efeito estufa teria de ser uma iniciativa internacional. Enquanto campanhas contra a fome seriam direcionadas às partes mais pobres do mundo ou campanhas para proteger a biodiversidade se concentrariam nos locais mais biologicamente ricos, uma iniciativa para cuidar de nosso planeta demonstraria a união e o amadurecimento da comunidade mundial.
(SOS Mata Atlântica).

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