Palestra do Presidente do Instituto Histórico e Geográfico
do Tapajós - IHGTap,
Pe. Sidney Augusto Canto, sobre a origem do município de
Itaituba.
Proferida na “Roda de Conversa” promovida pelo IHGTap
Itaituba (PA), 15 de dezembro de 2014
Comumente se celebra o
dia 15 de dezembro como data natalícia do município de Itaituba. Data esta que
remete ao ano de 1856, quando da transferência da sede da freguesia da Vila de
Brasília Legal para o lugar Itaituba, criando-se ali uma nova Vila e sede da
Paróquia de Santa Ana.
Quanto à sua origem,
Ferreira Penna, em 1868, nos diz: “A
povoação é moderna e deve sua origem à residência de várias famílias de índios
que ali foram estabelecer suas roças e a um destacamento militar que ali se
estabeleceu, não sei em que época, mas que não é anterior a 1836[1]”.
Esta visão foi repetida posteriormente por muitos relatos e descrições sobre o
lugar.
Não se pode negar que a
origem de Itaituba é muito mais indígena do que militar. O próprio nome do
lugar referenda essa opinião. Mas, quais eram os povos que habitavam o lugar
onde hoje se acha a cidade de Itaituba? Foram vários e tantos, que chegar ao povo
original parece trabalho árduo e muito difícil. Para exemplificar podemos expor
alguns relatos da metade do século XVIII que chegaram até nós.
É certo afirmar que os
índios maués, aldeados na Missão de São José dos Matapuz, depois elevada à
condição de Paróquia e Vila de Pinhel, subiram o rio Tapajós a fim de evitar os
maus tratos dados pelos colonos e diretores da recém-criada Vila, conforme
noticia o Bispo do Pará, Dom Frei João de São José e Queiroz, que nos diz terem
fugido para os matos, no ano de 1762, cerca de quarenta índios maués, aldeados
na referida Vila. Fizeram isso por medo, pois pouco tempo antes haviam matado o
Diretor da Vila de Pinhel, Bernardino Monteiro e feito fugir o primeiro pároco
da mesma, o padre Manoel Gaspar, que passou dias nos matos comendo das mesmas
frutas que os macacos comiam[2].
O mesmo Bispo, Dom Frei
João de São José, ao fazer uma descrição do rio Tapajós, cita alguns dos grupos
índigenas que habitavam o alto Tapajós: Apaunuariás, Marixitás, Apicuricús,
Murivás, Muquiriás, Jacareuarás (comedores de jacarés), Urupás, Anijuariás,
Apecuariás, Semicuriás, Periquitos, Necuriás, Surinanas, Motuaris, Sapupés,
Bradocás, Commandiz, Amanajús, Muriva, Tapocorás e Maués.
Contemporaneamente ao
Bispo supra-citado, o padre José Monteiro de Noronha, no ano de 1768, faz a
seguinte descrição do rio e dos povos que o habitavam:
“Há neste rio grandes saltos, chamados vulgarmente Cachoeiras, cravo e
óleo de copaíba. As suas terras ainda são povoadas de muitas nações de índios
infiéis, das quais as mais conhecidas são: Tapacorá, Carary, Maué, Jacaretapiya,
Sapopé, Yauain, Uarupá, Suarirana, Piriquita, Uarapiranga. Os índios das nações
Jacaretapiya e Sapopé são antropófagos. Os da nação Yauain tem por sinal
distintivo um listão largo e preto no rosto, principiando do alto da testa até
a barba. Os das nações Uaripá, Suarirana e Piriquita tem as faces matizadas com
sinais pretos, que lhes fazem os pais na sua infância com pontas de espinhos e
tinta negra aplicada nas picaduras dos mesmos espinhos. Nos seus ritos,
costumes e armas, são como os mais, sem especialidade notável[3]”.
Foram esses índios
maués que os membros da expedição de Abertura de Comunicação Comercial entre o
Distrito de Cuiabá e a Cidade do Pará encontraram em 1812, conforme se pode ver
no diário[4] da viagem da referida
expedição:
“Partimos no dia 18 (de novembro de 1812) às 5 da manhã, e
logo abaixo chegamos a uma praia onde estavam de montaria alguns Índios das
povoações do Pará; e um deles, que falava sofrivelmente português, noticiou-me
a vizinhança em que já estava dos primeiros moradores, e por estarem já de
viagem, de companhia conosco seguiram para baixo, costeando o lado oriental. Às
10 (horas), encontramos uma igarité grande que vinha subindo com muitos Índios
que não quiseram chegar à fala. Às 12 (horas) passamos a boca de um riacho, a
que chamam “Tapacorá”, e deságua na margem direita. Às 5 da tarde, passamos
dois sítios quase fronteiros de um e outro lado do Rio, sendo o do Oriental de
índios Mundurucus, e o do Ocidental de Maués”.
Durante muitos anos,
portanto entre a segunda metade do século XVIII e a primeira do século XIX, é
correto afirmar que Itaituba era terra dos Maués e teve na produção de guaraná
o seu primeiro tesouro e ciclo econômico.
Dezesseis anos depois,
temos um novo relato sobre Itaituba, desta vez sob o olhar da expedição
cientifica do Consul Langsdorff. Das anotações de um dos membros da referida
expedição, Hercule Florence[5], retiramos o texto abaixo
que fala especificamente sobre Itaituba, lugar onde chegaram a 13 de junho de
1828. Eis o primeiro registro mais significativo sobre Itaituba, que aprofunda
não somente a sua origem indígena, como também o início da colonização
portuguesa do lugar:
“Tornando a embarcar, fomos mais abaixo a Itaituba, onde morava o comandante do distrito, excelente velho
muito estimado. Estabelecido uns cinco anos atrás nesse lugar que achou
deserto, reuniu cerca de 200 maués,
os quais, apesar de pouco dados ao trabalho, tinham já levantado 10 ou 12 casas
e plantado alguma mandioca, ocupando-se também um tanto na extração da
salsaparrilha. Com cachaça, porém, gastam tudo quanto podem receber.
Em Itaituba achamos uma goleta de Santarém, ancorada diante
da casa do comandante, vista que me impressionou agradavelmente, pois era
indício de que chegáramos a país marítimo, embora ainda ficássemos distantes do
Oceano umas 160 léguas portuguesas.
O distrito tem o nome de Itaituba. Compõe-se a parca
população de portugueses e seus escravos, brasileiros e maués, estes em maior número.
Espontâneos são em sua maior parte os produtos de
exportação: a salsaparrilha que
os colhedores vão buscar do Pará nas matas do Tapajós; a borracha, fonte de grande riqueza
futura; o cravo; o pichiri, preciosas especiarias que
atestam o vigor das regiões equatoriais, quando banhadas por grandes rios; o guaraná tão procurado da gente de
Cuiabá, e que um dia juntará uma beberagem fresca e aromática ao luxo dos
botequins das cidades da Europa.
Como complemento dessa produção espontânea, deveríamos acrescentar
a da pesca, como o pirarucu,
que por si só pode dar alimento ao norte inteiro do Brasil, e a tartaruga, da
qual tratarei no capítulo intitulado Gurupá, onde então mencionarei não só os
produtos nativos do Amazonas e seus afluentes, mas também os cultivados, como
cacau, café, açúcar, etc.
Defronte de Itaituba na margem oposta fica o distrito de
Uxituba, igualmente habitado por alguns portugueses e mundurucus que se exprimem em outro idioma que não os maués, embora derivem todos eles da língua geral brasílica.
Como a goleta estava prestes a seguir viagem, não perdemos
esse excelente ensejo de comodamente alcançarmos Santarém. Dissemos então adeus
à nossa camaradagem, e adeus eterno, pois ela naquelas mesmas canoas devia
regressar para os lugares donde tinha saído, afrontando novamente os perigos,
de que nos víamos livres; e, agradecendo ao comandante sua amável
hospitalidade, abrimos no dia 18 de junho de 1828 as velas à bonançosa brisa,
no meio de salvas que de terra e água saudavam nossa partida”.
Infelizmente, a
história registrada não adveio da base indígena. Por isso, sabemos muito pouco
do que fizeram os primeiros habitantes desta localidade além de lhes terem dado
o nome Ita-i (pedras seguida diminuitivo “i” = pedrinhas ou pequenas pedras,
pedregulho) tuba (muitos/muitas = lugar onde há abundância). Mas nem tudo foi
em vão, pois, ao contrário do ocorrido anos antes, quando da expulsão dos
religiosos da região do Tapajós, o lugar manteve seu nome indígena, não
adotando topônimo português.
Depois dos Maués,
vieram os nacionais, civilizados. Itaituba tornou-se importante para a história
oficial a partir da Cabanagem. Nos entraves das lutas ferozes entre os
revolucionários cabanos (que sonhavam uma Amazônia governada por paraenses
legítimos e não os governantes que o Imperador escolhia) e o governo legal,
Itaituba ocuparia um lugar a ser defendido pelo poder militar. E porque não
Mirixituba?
Ora, sabemos que o
lugar à frente era ocupado por indígenas mundurucus, que há tempos haviam feito
pacto de paz com os brancos. Os mundurucus passaram a compor a maior parte das
tropas legais, combatendo os cabanos, que tinham em suas fileiras
representantes de diversas tribos e nações indígenas, entre os quais os
próprios maués, que em um passado não tão longínquo, eram inimigos dos
mundurucus.
Dai se explica o fato
de que Itaituba (e não Mirixituba) tenha sido escolhida para abrigar um corpo
militar que oferecesse resistência ao grupo de revolucionários cabanos. Um dos
principais responsáveis por essa empreitada foi o tenente-coronel Joaquim
Caetano Corrêa, cujo trabalho assim foi descrito por Palma Muniz[6]:
“O principal propugnador do progresso do novo lugar foi o
tenente-coronel Joaquim Caetano Corrêa, que pode ser considerado como seu
verdadeiro fundador, pois, ao serviço da localidade, consagrou todas as
energias da sua vida; e o seu nome, hoje inscrito nos anais do Município de
Itaituba, constitui um padrão de glória para Itaituba, muito modesto, mas assaz
grande para os itaitubanos, que na sua memória veneram a do fundador da sede do
município atual”.
O desenvolvimento da
região do Tapajós continuaria a passos lentos, e apesar dos esforços do
tenente-coronel Joaquim Caetano Corrêa, o governo da Província pouco podia
fazer, investimentos por parte do governo não existiam. O desenvolvimento vinha
apenas do comércio crescente com o Mato Grosso.
Uma contribuição significativa
para o desenvolvimento religioso e cultural veio da Itália, no ano de 1848, na
pessoa do frade Capuchinho Frei Egídio de Garezzio, que foi contratado para
cuidar da catequese indígena assumiu também o cuidado pastoral do povo do Rio
Tapajós, desde Aveiro até as primeiras cachoeiras. Entre seus trabalhos estão o
restabelecimento das missões indígenas de Santa Cruz, Cury, Uxituba e a fundação
da “Maloca Nova”. Durante dez anos o Capuchinho Frei Egídio de Garezzio
Entrementes, o ano de
1854 trouxe significativas mudanças: a 24 de agosto de 1854, o Governo da
Província baixou uma Portaria criando uma Subdelegacia de Polícia em Itaituba,
então Distrito da Freguesia de Aveiro.
O subdelegado eleito
teve registrado, já em 1855, problemas com o Missionário Capuchinho Frei Egídio
de Garezzio, ao que parece em vista de querer proibir as funções de culto
naquele lugar, parecendo mais ao Chefe de Polícia da Capital que o mesmo
subdelegado proibia não ao culto divino, mas quaisquer reunião de povo
(inclusive festas religiosas) para evitar os distúrbios que se cometiam em tais
casos.
Neste mesmo ano, por
meio da lei 266, de 16 de outubro, foi criada a Vila e Freguesia de Brasília
Legal. Itaituba passou a ser Distrito da nova freguesia. Não sabemos se a
Câmara Municipal da nova Vila chegou a ser instalada. Palma Muniz supõe que
não, haja vista que em nenhum dos orçamentos posteriores (1855 e 1856) houve
recursos do Governo Provincial destinados para aquela Câmara[7].
Enquanto Brasília Legal
não apresentava desenvolvimento, o mesmo não se pode dizer de Itaituba. Como
exemplo disso, temos a Portaria do Governo da Província, datada de 16 de
fevereiro de 1856, por meio da qual sabemos que Francisco Antônio de Faria foi
nomeado para Comandante da Companhia de Trabalhadores de Itaituba e Ixituba, em
substituição do antigo comandante, Antônio Rodrigues Itumans, que faleceu. Esta
Companhia de Trabalhadores existente em Itaituba era subordinada ao Comando
Militar de Santarém.
No entanto, havia
sempre novos desafios. Em meados de 1856 o Distrito de Itaituba foi assolado
pela Febre Amarela. O governo da Província logo socorreu com medicamentos e
assistência necessária, conforme consta no ofício de 26 de julho desse mesmo
ano, com o seguinte teor:
“Província do Pará – Palácio da Presidência na Cidade de Belém, em 26 de
julho de 1856.
Ilmo. Sr.
Acusando o recebimento do ofício de V. Sª. De 16 do
corrente, acompanhado da cópia de outros, do Delegado de Polícia do Termo de
Santarém, e dos Subdelegados de Breves e Itaituba, a respeito do estado
sanitário dos seus respectivos Distritos, tenho a declarar a V. Sª. que para
socorrer os moradores deste último Distrito, atacados das febres intermitentes,
já foram por esta Presidência, enviados os necessários medicamentos.
Deus guarde a V. Sª.
Henrique de Beaurepaire Rohan.
(Ao) Ilmo. Sr. Dr. João Batista Gonçalves Campos, Chefe de
Polícia desta Província”.
Apesar da grande
provação, trazida pela doença, o lugar continuava importante e em franco
crescimento, a ponto do Governo da Província transferir a sede da recém-criada
Freguesia e Vila de Brasília Legal para Itaituba, por meio da Lei 290, de 15 de
dezembro de 1856. Sua instalação oficial deu-se a 03 de novembro de 1857,
instalando-se o Senado da Câmara em casa que ainda se encontra até os dias de
hoje no centro da Cidade.
Estava, assim,
politicamente solidificada a vida futura de Itaituba. Suas origens indígenas, quase
esquecidas, deram lugar a vários outros povos que para cá vieram, seja por
conta do ciclo econômico da Borracha, seja, posteriormente pelo ciclo do ouro
(o que constituí alguns capítulos para uma futura outra palestra). Itaituba
continua sendo um lugar de muitas pequenas pedras, mas também de grande e
próspero futuro.
NOTA: O
presente texto faz parte de um conjunto de estudos e pesquisas que vem sendo
feito pelo autor e que deverão brevemente ser lançados em forma de livro.
[1] PENNA,
Domingos Soares Ferreira. A Região
Ocidental da Província do Pará: Resenhas Estatísticas das Comarcas de Óbidos e
Santarém. Belém: Typographia do Diário de Belém, 1869.
[2]
QUEIROZ, Dom Frei João de São José
e (Bispo). Viagem e Visita do Sertão no
Bispado do Grão Pará em 1762 e 1763. IN: Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro. Tomo IX. 2ª Edição. Rio de Janeiro: 1869.
[3] NORONHA, José
Monteiro de (Padre). Roteiro da viagem
da Cidade do Pará até as últimas colônias do sertão da Província – 1768.
Introdução e Notas de Antonio Porro. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 2006.
[4]
Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro.
Rio de Janeiro: Tomo XXXI, 1ª Parte, 1868.
[5]
FLORENCE,
Hercules. Viagem fluvial do Tietê ao
Amazonas: 1825 a 1829. São Paulo: Cultrix, Editora da Universidade de São
Paulo, 1977.
[6] MUNIZ, João de
Palma. O Município de Itaituba.
Pará: Typographia Guttenberg, 1906.
[7]
MUNIZ, João de Palma. Opus cit.
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