Mariana Battochio - 03/09/2009 - 00h00
O agente público, pela sua própria condição, deve usar do poder. Essa é uma prerrogativa de todos eles. A partir daí nasceu o chamado excesso de poder ou desvio de finalidade, ressaltando que há diferença entre a intenção e sua consumação, sabendo que todo excesso ou desvio produz um ato nulo. Anteriormente, a legislação definia que só se configurava o abuso com a ação. Atualmente, a omissão já é considerada, também, um meio de abuso ou desvio de poder.
O abuso de poder é um ato ilícito. Ele ocorre quando o agente era competente para praticar o ato, porém ultrapassa os limites de suas atribuições ou as desvia das finalidades administrativas. Há duas espécies de abuso de poder: excesso e desvio de finalidades. O excesso ocorre quando o agente exorbita de suas funções e o desvio de finalidade, por sua vez, ocorre quando os agentes praticam o ato por motivos ou finalidades diversos do interesse coletivo. A omissão, como dito anteriormente, também se materializa em um abuso de poder. Essa teoria do abuso de poder foi desenvolvida pela doutrina francesa “détournement de pouvoir” e pela italiana “sviamento di potere”.
Quanto à omissão, conforme o tipo de ato, o silêncio da administração pode significar aprovação. Quando não houver prazo legal à omissão deve ser por um prazo razoável que o TJSP considera de trinta dias. Passado o prazo para a omissão, caracteriza-se o abuso de poder. Nos Estados de Direito como o nosso, a Administração Pública deve obediência à lei em todas as suas manifestações. Até mesmo nas chamadas atividades discricionárias, onde o administrador tem a liberdade de escolher a conveniência, a oportunidade e o conteúdo do ato; o administrador público fica sujeito às prescrições legais quanto à competência, finalidade e forma, só se movendo com liberdade na estreita faixa de conveniência e oportunidade administrativas.
O uso do poder, como dito anteriormente, é prerrogativa da autoridade. Usar normalmente do poder é empregá-lo segundo as normas legais, a moral da instituição, a finalidade do ato e as exigências do interesse público. Abusar do poder é empregá-lo fora da lei, sem utilidade pública.
Os vícios nos atos administrativos, relativos ao sujeito, podem ser divididos de duas formas: os vícios relativos à incompetência e os vícios relativos à incapacidade. A competência vem sempre definida em lei, o que constitui garantia para o administrado, sendo ilegal o ato praticado por quem não seja detentor das atribuições fixadas na lei e também quando o sujeito o pratica exorbitando de suas atribuições. Nos termos do artigo 2º da Lei 4.717/65, a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou.
Os principais vícios quanto à competência são: usurpação de função, excesso de poder e função “de fato”. A usurpação de função é crime definido no artigo 328 do CP: “usurpar o exercício de função pública”. Ele ocorre quando a pessoa que pratica o ato não foi por qualquer modo investida no cargo, emprego ou função; ela se apossa, por conta própria, do exercício de atribuições próprias de agente público, sem ter essa qualidade.
O excesso de poder ocorre quando o agente público excede os limites de sua competência; por exemplo, quando a autoridade, competente para aplicar a pena de suspensão, impõe penalidade mais grave, que não é de sua atribuição; ou quando a autoridade policial se excede no uso da força para praticar ato de sua competência.
A função “de fato” ocorre quando a pessoa que pratica o ato está irregularmente investida no cargo, emprego ou função, mas a sua situação tem toda aparência de legalidade. Exemplos dessa situação podemos citar: a falta de requisito legal para investidura, como certificado de sanidade vencido; inexistência de formação universitária para função que a exige, idade inferior ao mínimo legal; o mesmo ocorre quando o servidor está suspenso do cargo, ou exerce funções depois de vencido o prazo de sua contratação, ou continua em exercício após a idade-limite para aposentadoria compulsória.
Os vícios relativos à finalidade tratam-se do desvio de poder ou desvio de finalidade, definido pela Lei 4.717/65 como aquele que se verifica quando “o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência (artigo 2º, parágrafo único, e).”
Conforme palavras de Cretella Júnior, “base para a anulação dos atos administrativos que nele incidem, o desvio de poder difere dos outros casos, porque não se trata aqui de apreciar objetivamente a conformidade ou não conformidade de um ato com uma regra de direito, mas de proceder-se a uma dupla investigação de intenções subjetivas: é preciso indagar se os móveis que inspiram o autor de um ato administrativo são aqueles que, segundo a intenção do legislador, deveriam realmente, inspirá-lo”.
Exemplos: a desapropriação feita para prejudicar determinada pessoa caracteriza desvio de poder porque o ato não foi praticado para atender a um interesse público; a remoção “ex officio” do funcionário, permitida para atender à necessidade do serviço, constituirá desvio de poder se for feita com o objetivo de punir.
A grande dificuldade com relação ao desvio de poder é sua comprovação, pois o agente não declara a sua verdadeira intenção; ele procura ocultá-la para produzir a enganosa impressão de que o ato é legal.
Por isso, mesmo, o desvio de poder comprova-se por meio de indícios, são os “sintomas” a que se refere Cretella Júnior “a motivação insuficiente, a motivação contraditória, a irracionalidade do procedimento, acompanhada da edição do ato, a contradição do ato com as resultantes dos atos, a camuflagem dos fatos, a inadequação entre os motivos e os efeitos e o excesso de motivação”.
Para o desempenho de suas funções no organismo Estatal, a Administração Pública dispõem de poderes que lhe asseguram posição de supremacia sobre o particular e sem os quais ela não conseguiria atingir os seus fins. Mas esses poderes, no Estado de Direito, entre cujos postulados básicos se encontra o princípio da legalidade, são limitados pela lei, de forma a impedir os abusos e as arbitrariedades a que as autoridades poderiam ser levadas.
O regramento não atinge todos os aspectos da atuação administrativa; a lei deixa certa margem de liberdade de decisão diante do caso concreto, de tal modo que a autoridade poderá optar por uma dentre várias soluções possíveis, todas válidas perante o direito. Nesses casos, o poder da Administração é discricionário, porque a adoção de uma ou outra solução é feita segundo critérios de oportunidade, conveniência, justiça, eqüidade, próprios da autoridade, porque não definidos pelo legislador. Mesmo aí, entretanto, o poder de ação administrativa, embora discricionário, não é totalmente livre, porque, sob alguns aspectos, em especial a competência, a forma e a finalidade, a lei impõe limitações. Daí por que se diz que a discricionariedade implica liberdade de atuação nos limites traçados pela lei; se a Administração ultrapassa esses limites, a sua decisão passa a ser arbitrária, ou seja, contraria à lei.
Vale lembrar que a atuação da Administração Pública no exercício da função administrativa é vinculada quando a lei estabelece a única solução possível diante de determinada situação de fato; ela fixa todos os requisitos, cuja existência a Administração deve limitar-se a constatar, sem qualquer margem de apreciação subjetiva.
Portanto, a atuação é discricionária quando a Administração, diante do caso concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de oportunidade e conveniência e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas para o direito, o que não justifica o desvio de finalidade, que constitui uma violação ideológica da lei, uma violação moral, onde tal ato, como todo ato ilícito ou imoral, se consuma às escondidas ou se apresenta disfarçado sob o capuz da legalidade e do interesse público.
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