19 de maio de 2010

AGE: Bicho papão ou Palmatória do Governo?

Do Paraense:

Verdades e mentiras sobre a Auditoria Geral do Estado 
* Sérgio Bacury
 
Nesta primeira quinzena de maio, três notícias abalaram o meio político paraense:
a) A ex-Auditora Geral do Estado, Tereza Cordovil, entregou à Assembléia Legislativa do Estado (ALEPA) 07 caixas contendo relatórios de auditoria e de fiscalização sobre os órgãos estaduais do Pará;
b) A ex-Secretária Estadual de Educação, Socorro Coelho, entregou o cargo por não pactuar com as irregularidades contidas no relatório da Auditoria Geral do Estado (AGE) sobre 88 obras de construção e reforma de escolas estaduais realizadas sem licitação;
c) A ALEPA começou a divulgar as irregularidades cometidas por órgãos estaduais contidas nos relatórios da AGE.
Essas notícias estão chamando a atenção da população do Pará para duas questões fundamentais:
a) Qual o papel da AGE no governo?
B) Qual é a culpa do governo estadual nesses episódios?
* Economista, mestre e doutor em planejamento, professor e pesquisador de economia da UFPA


De prontidão, o portal do governo emitiu nota oficial respondendo que “O governo do Pará se orgulha de ter instaurado um sistema eficiente de controle interno, que respalda a realização de ações e obras fundamentais ao desenvolvimento do nosso estado e de sua população”. Em função dessa nota, torna-se fundamental esclarecer a opinião pública sobre as verdades e as mentiras em relação à AGE, sob pena de se encobrir os erros e as irregularidades cometidos por este governo e colocar em “xeque” o trabalho realizado pela AGE desde a sua criação. Este é o objetivo deste artigo.
 A AGE foi criada em 29 de dezembro de 1998, pela Lei estadual nº 6.176, no final do primeiro governo Almir Gabriel, no bojo de criação do Sistema de Controle Interno vinculado ao Poder Executivo. Portanto, a AGE é um dos componentes desse Sistema e, ao mesmo tempo, o órgão central do Sistema. Nesse mesmo ato, foram concebidas como procedimentos operacionais as atividades de fiscalização, auditoria e avaliação de gestão, bem como o acompanhamento da execução orçamentária, financeira, patrimonial, administrativa e contábil de todos os órgãos e entidades estaduais, visando garantir a integridade, a transparência e a efetividade na aplicação dos recursos do Estado.
De acordo com a legislação em vigor, quando o gestor da AGE toma conhecimento de qualquer irregularidade, tem que dar ciência ao gestor máximo do órgão ou entidade, devendo este adotar medidas cabíveis para sua correção, no prazo concedido pela AGE. Esgotadas, sem êxito, todas as formas de correção pelos órgãos e entidades, o gestor da AGE tem que dar ciência inicialmente a(o) Governador(a), para que este exija do órgão ou entidade a correção da irregularidade. Não sendo novamente atendida a solicitação, deve a AGE dar ciência ao TCE e à ALEPA, sob pena de responsabilidade solidária. Esses são os passos fundamentais da sistemática adotada pelo controle interno gerenciado pela AGE no Pará, sendo o mesmo procedimento também adotado em outras unidades da federação brasileira. Após isto, e de forma complementar, é que entra em cena o sistema de controle externo, exercido pelo TCE, como órgão auxiliar da ALEPA.
Portanto, em janeiro de 1999 começou a funcionar o Sistema de Controle Interno e a AGE. Ao longo do segundo governo Almir Gabriel, a AGE começou a fiscalizar as ações e atos governamentais, concebendo os procedimentos de orientação pedagógica para os erros e as irregularidades administrativas e contábeis encontrados, procedendo de forma eficiente as suas atividades. Desses procedimentos era dada ciência para o Governador, que sempre exigia a sua solução imediata, inclusive tendo realizado reuniões específicas com os dirigentes dos órgãos e entidades estaduais para discutir as orientações da AGE.
No período 2003-2006, no governo Simão Jatene, a AGE deu continuidade a essas ações, agregando agora a atividade de auditoria, de forma associada e complementar à atividade de fiscalização. Também, chamou para si a responsabilidade pela capacitação permanente e periódica dos Agentes Públicos de Controle (APCs), que exercem o controle interno no âmbito de cada órgão ou entidade, e passou a orientar todo o governo, sempre de forma pedagógica, sobre os procedimentos adequados de convênios, diárias, licitações e contratos, recursos humanos, suprimento de fundos, e outros. Sob a liderança e coordenação da AGE do Pará, foi criado em junho de 2004, na cidade de Belém, o Fórum Nacional de Controle Interno (FNCI), que hoje se chama Conselho Nacional dos Órgãos de Controle Interno dos Estados Brasileiros e do Distrito Federal (CONACI). A então gestora da AGE foi eleita primeira Presidente do FNCI, sendo posteriormente reeleita. Em 2006, a AGE realizou concurso público, sendo aprovados 40 Auditores de Finanças e Controle, que tomaram posse no inicio do ano seguinte.
Também no governo Simão Jatene os procedimentos incorretos detectados pela AGE eram imediatamente comunicados ao Governador, que de forma complementar exigia dos dirigentes públicos a imediata solução dos problemas. Como essa sistemática resultava na correção imediata dos procedimentos detectados, e como os relatórios de fiscalização e de auditoria eram também apreciados informalmente pela equipes técnicas do TCE quando de suas visitas aos órgãos ou entidades, não havia obrigatoriamente necessidade da AGE dar ciência formal dos mesmos ao Tribunal e à ALEPA. O controle exercido pela AGE se restringia ao âmbito interno do Poder Executivo, sem prejuízo à sociedade e ao controle externo.

Em 2007, no início do governo Ana Julia Carepa, assumiu a AGE Tereza Cordovil, funcionária de carreira da Controladoria Geral da União (CGU), e a partir daí começou o “inferno astral” da Auditoria Geral. De início, concebendo um caminho de caráter eminentemente político e não técnico, a AGE resolveu encaminhar para o Ministério Público Estadual alguns processos de auditoria efetuados no governo Simão Jatene, em que tinham sido registrados procedimentos incorretos. Não deu conhecimento, como seria correto, ao TCE e à ALEPA.
Com isto, criou a imagem de que toda e qualquer irregularidade administrativa seria ou deveria ser encaminhada para o Ministério Público, mesmo que fosse do governo Ana Julia. Ledo engano, pois como se verifica hoje, os órgãos e entidades estaduais na gestão do atual governo cometeram inúmeras irregularidades e nenhum processo de auditoria e/ou de fiscalização sequer foi encaminhado para que o Ministério Público tomasse providências cabíveis. Nem sequer foi dado conhecimento ao TCE e à ALEPA. Ao mesmo tempo, a AGE deixou de lado o trabalho desenvolvido pelos APCs nos órgãos/entidades e eliminou um procedimento fundamental nas atividades de fiscalização e auditoria, que é o retorno das equipes de auditores aos órgãos/entidades para dar ciência aos gestores dos procedimentos incorretos detectados e acompanhar a sua correção ou não. Ou seja, a própria AGE desestimulou a continuidade e complementação dos seus procedimentos operacionais.
Simultaneamente, a AGE criou no seu site na Internet o “Portal da Transparência”, em que a sociedade podia consultar sobre os registros financeiros efetuados no SIAFEM, que é o sistema que contabiliza todo e qualquer gasto do governo do Pará. Excelente iniciativa, pois por meio desse Portal era possível acompanhar, com toda a transparência possível, as irregularidades cometidas na gestão pública. Não durou muito tempo. Quando começou a ser divulgado nos noticiários as irregularidades no uso dos recursos públicos no governo Ana Julia, extraídas pelo Portal, simplesmente o “Portal da Transparência” foi suspenso e deixou de funcionar no site da AGE. Até hoje, a explicação é que o link está em correção, sem data para voltar a funcionar novamente. Quem sabe, talvez volte a funcionar no último dia de governo.
Em 2008 e também em 2009, a AGE deixou “vazar” para a impressa alguns relatórios de auditoria sobre determinados órgãos estaduais, preferentemente ocupados por dirigentes indicados pelo PMDB. Nesse momento, ficou parecendo que as irregularidades cometidas pelo PMDB podiam ser divulgadas na imprensa, enquanto que as irregularidades cometidas por dirigentes do PT ficavam escondidas “debaixo do tapete”. Foi o estopim para a crise política criada com o principal aliado político do governo Ana Julia, o PMDB. E a AGE contribuiu para aprofundar a crise entre os aliados. Mais ainda, enquanto controle interno tinha se deixado usar politicamente para externalizar procedimentos que deveriam ser corrigidos no âmbito do próprio governo.
Em meados de 2009, a AGE deixou divulgar, por meio da imprensa, o relatório de auditoria do Hospital Ophir Loyola. Em consequência disto, a diretoria do hospital, indicada pelo PMDB, foi exonerada. Aí, foi declaração de guerra, principalmente porque se descobriu depois que esse relatório foi “fabricado” pela Auditoria Geral, na gestão de Tereza Cordovil. Nesse momento, sucederam-se dois fatos: a) entrou em cena a ALEPA, que passou a exigir cópia desse relatório e de todos os demais realizados no atual governo; b) os auditores da AGE confrontaram a sua Auditora Geral, criando um clima de guerra na própria AGE. A Auditoria Geral perdeu credibilidade e confiança no próprio governo e na Assembléia Legislativa. A sua Auditora chefe, Tereza Cordovil, ficou isolada e sem apoio técnico e político.
Como esse imbróglio político se arrastou por quase um ano, finalmente a Auditora Tereza Cordovil elaborou seu desfecho: entregou à ALEPA sete caixas contendo cópias de inúmeros processos de fiscalização e auditoria realizados pela AGE entre 2007-2009, sem comunicar a Governadora do Estado, e em seguida solicitou demissão. Ou seja, cometeu todos os erros técnicos possíveis, privilegiando o “alinhamento” político, e arrastou para a lama uma instituição séria e competente que é a AGE.
Do desenrolar desses acontecimentos, fica evidente o seguinte: a) a Auditora Tereza Cordovil usou e deixou com que a instituição fosse utilizada politicamente, contrariando toda a natureza legal da AGE; b) os órgãos e entidades estaduais na atual gestão governamental cometeram inúmeros erros e irregularidades administrativas e, em grande parte, não adotaram medidas corretivas solicitadas pela AGE; c) ou a AGE não comunicou a Governadora sobre esses procedimentos ou se o fez, então a Governadora não tomou as medidas legais para que os dirigentes estaduais adotassem as medidas de correção cabíveis. Neste caso, há responsabilidade solidária da Auditora nessas irregularidades; d) a AGE em nenhum momento deu conhecimento desses procedimentos ao TCE e à ALEPA, só o fazendo agora à Assembléia por causa da pressão exercida por esse Poder.
Diante desses fatos e evidências, não pode agora o atual governo dizer, simplesmente, que está orgulhoso de “... ter instaurado um sistema eficiente de controle interno...”, ocultando sua conivência ou omissão. Talvez o governo deva “orgulhar-se” de ter destruído a imagem de eficiência administrativa que a AGE vinha construindo e consolidando desde 1999. E, quem sabe, preocupar-se, e muito, com a intervenção do Ministério Publico neste “imbróglio” a muitas mãos.

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