Verdades e mentiras sobre a Auditoria Geral do Estado    
* Sérgio Bacury
Nesta primeira quinzena de maio, três notícias abalaram o meio político paraense:
a) A ex-Auditora Geral do Estado, Tereza Cordovil, entregou à Assembléia Legislativa do Estado (ALEPA) 07 caixas contendo relatórios de auditoria e de fiscalização sobre os órgãos estaduais do Pará;b) A ex-Secretária Estadual de Educação, Socorro Coelho, entregou o cargo por não pactuar com as irregularidades contidas no relatório da Auditoria Geral do Estado (AGE) sobre 88 obras de construção e reforma de escolas estaduais realizadas sem licitação;c) A ALEPA começou a divulgar as irregularidades cometidas por órgãos estaduais contidas nos relatórios da AGE.Essas notícias estão chamando a atenção da população do Pará para duas questões fundamentais:a) Qual o papel da AGE no governo?B) Qual é a culpa do governo estadual nesses episódios?
* Economista, mestre e doutor em 
planejamento, professor e pesquisador de economia da UFPA 
De prontidão, o portal do governo emitiu
 nota oficial respondendo que “O governo do Pará se orgulha de ter 
instaurado um sistema eficiente de controle interno, que respalda a 
realização de ações e obras fundamentais ao desenvolvimento do nosso 
estado e de sua população”. Em função dessa nota, torna-se fundamental 
esclarecer a opinião pública sobre as verdades e as mentiras em relação à
 AGE, sob pena de se encobrir os erros e as irregularidades cometidos 
por este governo e colocar em “xeque” o trabalho realizado pela AGE 
desde a sua criação. Este é o objetivo deste artigo.
 A AGE foi criada em 29 de dezembro de 
1998, pela Lei estadual nº 6.176, no final do primeiro governo Almir 
Gabriel, no bojo de criação do Sistema de Controle Interno vinculado ao 
Poder Executivo. Portanto, a AGE é um dos componentes desse Sistema e, 
ao mesmo tempo, o órgão central do Sistema. Nesse mesmo ato, foram 
concebidas como procedimentos operacionais as atividades de 
fiscalização, auditoria e avaliação de gestão, bem como o acompanhamento
 da execução orçamentária, financeira, patrimonial, administrativa e 
contábil de todos os órgãos e entidades estaduais, visando garantir a 
integridade, a transparência e a efetividade na aplicação dos recursos 
do Estado.
De acordo com a legislação em vigor, 
quando o gestor da AGE toma conhecimento de qualquer irregularidade, tem
 que dar ciência ao gestor máximo do órgão ou entidade, devendo este 
adotar medidas cabíveis para sua correção, no prazo concedido pela AGE. 
Esgotadas, sem êxito, todas as formas de correção pelos órgãos e 
entidades, o gestor da AGE tem que dar ciência inicialmente a(o) 
Governador(a), para que este exija do órgão ou entidade a correção da 
irregularidade. Não sendo novamente atendida a solicitação, deve a AGE 
dar ciência ao TCE e à ALEPA, sob pena de responsabilidade solidária. 
Esses são os passos fundamentais da sistemática adotada pelo controle 
interno gerenciado pela AGE no Pará, sendo o mesmo procedimento também 
adotado em outras unidades da federação brasileira. Após isto, e de 
forma complementar, é que entra em cena o sistema de controle externo, 
exercido pelo TCE, como órgão auxiliar da ALEPA.
Portanto, em janeiro de 1999 começou a 
funcionar o Sistema de Controle Interno e a AGE. Ao longo do segundo 
governo Almir Gabriel, a AGE começou a fiscalizar as ações e atos 
governamentais, concebendo os procedimentos de orientação pedagógica 
para os erros e as irregularidades administrativas e contábeis 
encontrados, procedendo de forma eficiente as suas atividades. Desses 
procedimentos era dada ciência para o Governador, que sempre exigia a 
sua solução imediata, inclusive tendo realizado reuniões específicas com
 os dirigentes dos órgãos e entidades estaduais para discutir as 
orientações da AGE.
No período 2003-2006, no governo Simão 
Jatene, a AGE deu continuidade a essas ações, agregando agora a 
atividade de auditoria, de forma associada e complementar à atividade de
 fiscalização. Também, chamou para si a responsabilidade pela 
capacitação permanente e periódica dos Agentes Públicos de Controle 
(APCs), que exercem o controle interno no âmbito de cada órgão ou 
entidade, e passou a orientar todo o governo, sempre de forma 
pedagógica, sobre os procedimentos adequados de convênios, diárias, 
licitações e contratos, recursos humanos, suprimento de fundos, e 
outros. Sob a liderança e coordenação da AGE do Pará, foi criado em 
junho de 2004, na cidade de Belém, o Fórum Nacional de Controle Interno 
(FNCI), que hoje se chama Conselho Nacional dos Órgãos de Controle 
Interno dos Estados Brasileiros e do Distrito Federal (CONACI). A então 
gestora da AGE foi eleita primeira Presidente do FNCI, sendo 
posteriormente reeleita. Em 2006, a AGE realizou concurso público, sendo
 aprovados 40 Auditores de Finanças e Controle, que tomaram posse no 
inicio do ano seguinte.
Também no governo Simão Jatene os 
procedimentos incorretos detectados pela AGE eram imediatamente 
comunicados ao Governador, que de forma complementar exigia dos 
dirigentes públicos a imediata solução dos problemas. Como essa 
sistemática resultava na correção imediata dos procedimentos detectados,
 e como os relatórios de fiscalização e de auditoria eram também 
apreciados informalmente pela equipes técnicas do TCE quando de suas 
visitas aos órgãos ou entidades, não havia obrigatoriamente necessidade 
da AGE dar ciência formal dos mesmos ao Tribunal e à ALEPA. O controle 
exercido pela AGE se restringia ao âmbito interno do Poder Executivo, 
sem prejuízo à sociedade e ao controle externo.
Em 2007, no início do governo Ana Julia Carepa, assumiu a AGE Tereza Cordovil, funcionária de carreira da Controladoria Geral da União (CGU), e a partir daí começou o “inferno astral” da Auditoria Geral. De início, concebendo um caminho de caráter eminentemente político e não técnico, a AGE resolveu encaminhar para o Ministério Público Estadual alguns processos de auditoria efetuados no governo Simão Jatene, em que tinham sido registrados procedimentos incorretos. Não deu conhecimento, como seria correto, ao TCE e à ALEPA.
Com isto, criou a imagem de que toda e 
qualquer irregularidade administrativa seria ou deveria ser encaminhada 
para o Ministério Público, mesmo que fosse do governo Ana Julia. Ledo 
engano, pois como se verifica hoje, os órgãos e entidades estaduais na 
gestão do atual governo cometeram inúmeras irregularidades e nenhum 
processo de auditoria e/ou de fiscalização sequer foi encaminhado para 
que o Ministério Público tomasse providências cabíveis. Nem sequer foi 
dado conhecimento ao TCE e à ALEPA. Ao mesmo tempo, a AGE deixou de lado
 o trabalho desenvolvido pelos APCs nos órgãos/entidades e eliminou um 
procedimento fundamental nas atividades de fiscalização e auditoria, que
 é o retorno das equipes de auditores aos órgãos/entidades para dar 
ciência aos gestores dos procedimentos incorretos detectados e 
acompanhar a sua correção ou não. Ou seja, a própria AGE desestimulou a 
continuidade e complementação dos seus procedimentos operacionais.
Simultaneamente, a AGE criou no seu site
 na Internet o “Portal da Transparência”, em que a sociedade podia 
consultar sobre os registros financeiros efetuados no SIAFEM, que é o 
sistema que contabiliza todo e qualquer gasto do governo do Pará. 
Excelente iniciativa, pois por meio desse Portal era possível 
acompanhar, com toda a transparência possível, as irregularidades 
cometidas na gestão pública. Não durou muito tempo. Quando começou a ser
 divulgado nos noticiários as irregularidades no uso dos recursos 
públicos no governo Ana Julia, extraídas pelo Portal, simplesmente o 
“Portal da Transparência” foi suspenso e deixou de funcionar no site da 
AGE. Até hoje, a explicação é que o link está em correção, sem data para
 voltar a funcionar novamente. Quem sabe, talvez volte a funcionar no 
último dia de governo.
Em 2008 e também em 2009, a AGE deixou 
“vazar” para a impressa alguns relatórios de auditoria sobre 
determinados órgãos estaduais, preferentemente ocupados por dirigentes 
indicados pelo PMDB. Nesse momento, ficou parecendo que as 
irregularidades cometidas pelo PMDB podiam ser divulgadas na imprensa, 
enquanto que as irregularidades cometidas por dirigentes do PT ficavam 
escondidas “debaixo do tapete”. Foi o estopim para a crise política 
criada com o principal aliado político do governo Ana Julia, o PMDB. E a
 AGE contribuiu para aprofundar a crise entre os aliados. Mais ainda, 
enquanto controle interno tinha se deixado usar politicamente para 
externalizar procedimentos que deveriam ser corrigidos no âmbito do 
próprio governo.
Em meados de 2009, a AGE deixou 
divulgar, por meio da imprensa, o relatório de auditoria do Hospital 
Ophir Loyola. Em consequência disto, a diretoria do hospital, indicada 
pelo PMDB, foi exonerada. Aí, foi declaração de guerra, principalmente 
porque se descobriu depois que esse relatório foi “fabricado” pela 
Auditoria Geral, na gestão de Tereza Cordovil. Nesse momento, 
sucederam-se dois fatos: a) entrou em cena a ALEPA, que passou a exigir 
cópia desse relatório e de todos os demais realizados no atual governo; 
b) os auditores da AGE confrontaram a sua Auditora Geral, criando um 
clima de guerra na própria AGE. A Auditoria Geral perdeu credibilidade e
 confiança no próprio governo e na Assembléia Legislativa. A sua 
Auditora chefe, Tereza Cordovil, ficou isolada e sem apoio técnico e 
político.
Como esse imbróglio político se arrastou
 por quase um ano, finalmente a Auditora Tereza Cordovil elaborou seu 
desfecho: entregou à ALEPA sete caixas contendo cópias de inúmeros 
processos de fiscalização e auditoria realizados pela AGE entre 
2007-2009, sem comunicar a Governadora do Estado, e em seguida solicitou
 demissão. Ou seja, cometeu todos os erros técnicos possíveis, 
privilegiando o “alinhamento” político, e arrastou para a lama uma 
instituição séria e competente que é a AGE.
Do desenrolar desses acontecimentos, 
fica evidente o seguinte: a) a Auditora Tereza Cordovil usou e deixou 
com que a instituição fosse utilizada politicamente, contrariando toda a
 natureza legal da AGE; b) os órgãos e entidades estaduais na atual 
gestão governamental cometeram inúmeros erros e irregularidades 
administrativas e, em grande parte, não adotaram medidas corretivas 
solicitadas pela AGE; c) ou a AGE não comunicou a Governadora sobre 
esses procedimentos ou se o fez, então a Governadora não tomou as 
medidas legais para que os dirigentes estaduais adotassem as medidas de 
correção cabíveis. Neste caso, há responsabilidade solidária da Auditora
 nessas irregularidades; d) a AGE em nenhum momento deu conhecimento 
desses procedimentos ao TCE e à ALEPA, só o fazendo agora à Assembléia 
por causa da pressão exercida por esse Poder.
Diante desses fatos e evidências, não 
pode agora o atual governo dizer, simplesmente, que está orgulhoso de 
“... ter instaurado um sistema eficiente de controle interno...”, 
ocultando sua conivência ou omissão. Talvez o governo deva “orgulhar-se”
 de ter destruído a imagem de eficiência administrativa que a AGE vinha 
construindo e consolidando desde 1999. E, quem sabe, preocupar-se, e 
muito, com a intervenção do Ministério Publico neste “imbróglio” a 
muitas mãos.
 
Nenhum comentário:
Postar um comentário