Leonardo Boff,
Jornal do Brasil
O governo Lula possui méritos inegáveis na questão social. Mas na questão ambiental é de uma inconsciência e de um atraso palmar. Ao analisar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) temos a impressão de sermos devolvidos ao século 19. É a mesma mentalidade que vê a natureza como mera reserva de recursos, base para alavancar projetos faraônicos, levados avante a ferro e fogo, dentro de um modelo de crescimento ultrapassado que favorece as grandes empresas à custa da depredação da natureza e da criação de muita pobreza. Este modelo está sendo questionado no mundo inteiro por desestabilizar o planeta Terra como um todo e mesmo assim é assumido pelo PAC sem qualquer escrúpulo. A discussão com as populações afetadas e com a sociedade foi pífia. Impera a lógica autoritária; primeiro decide-se, depois se convoca a audiência pública. Pois é exatamente isso que está ocorrendo com o projeto da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu, no estado do Pará.
Tudo está sendo levado aos trambolhões, atropelando processos, ocultando o importante parecer 114/09 de dezembro de 2009, emitido pelo Ibama (órgão que cuida das questões ambientais) contrário à construção da usina, a opinião da maioria dos ambientalistas nacionais e internacionais que dizem ser este projeto um grave equívoco com consequências ambientais imprevisíveis.
O Ministério Público Federal, que encaminhou processos de embargo, eventualmente levando a questão a foros internacionais, sofreu coação da Advocacia Geral da União (AGU), com o apoio público do presidente, de processar os procuradores e promotores destas ações por abuso de poder.
Esse projeto vem da ditadura militar dos anos 70. Sob pressão dos indígenas apoiados pelo cantor Sting em parceria com o cacique Raoni foi engavetado em 1989. Agora, com a licença prévia concedida no dia 1º de fevereiro, o projeto da ditadura pôde voltar triunfalmente, apresentado pelo governo como a maior obra do PAC.
Neste projeto tudo é megalômano: inundação de 51.600 hectares de floresta, com um espelho d'água de 516 km2, desvio do rio com a construção de dois canais de 500 metros de largura e 30 quilômetros de comprimento, deixando 100 quilômetros de leito seco, submergindo a parte mais bela do Xingu, a Volta Grande e um terço de Altamira, com um custo entre R$ 17 e 30 bilhões, desalojando cerca de 20 mil pessoas e atraindo para as obras cerca de 80 mil trabalhadores para produzir 11.233 MW de energia no tempo das cheias (quatro meses) e somente 4 mil MW no resto do ano, para, por fim, transportá-la até 5 mil quilômetros de distância.
Esse gigantismo, típico de mentes tecnocráticas, beira à insensatez, pois, dada a crise ambiental global, todos recomendam obras menores, valorizando matrizes energéticas alternativas, baseadas na água, no vento, no sol e na biomassa. E tudo isso nós temos em abundância. Considerando as opiniões dos especialistas podemos dizer: a usina hidrelétrica de Belo Monte é tecnicamente desaconselhável, exageradamente cara, ecologicamente desastrosa, socialmente perversa, perturbadora da Floresta Amazônica e uma grave agressão ao sistema-Terra.
Este projeto se caracteriza pelo desrespeito: às dezenas de etnias indígenas que lá vivem há milhares de anos e que sequer foram ouvidas; desrespeito à Floresta Amazônica cuja vocação não é produzir energia elétrica mas bens e serviços naturais de grande valor econômico; desrespeito aos técnicos do Ibama e a outras autoridades científicas contrárias a esse empreendimento; desrespeito à consciência ecológica que, devido às ameaças que pesam sobre o sistema da vida, pedem extremo cuidado com as florestas; desrespeito ao bem-comum da Terra e da humanidade, a nova centralidade das políticas mundiais.
Se houvesse um Tribunal Mundial de Crimes contra a Terra, como está sendo projetado por um grupo altamente qualificado que estuda a reinvenção da ONU sob a coordenação de Miguel d'Escoto, expresidente da Assembleia (2008-2009), seguramente os promotores da hidrelétrica Belo Monte estariam na mira deste tribunal.
Ainda há tempo de frear a construção desta monstruosidade, porque há alternativas melhores. Não queremos que se realizem as palavras do bispo Dom Erwin Kräutler, defensor dos indígenas e contra Belo Monte: "Lula entrará na história como o grande depredador da Amazônia e o coveiro dos povos indígenas e ribeirinhos do Xingu".
Leonardo Boff, além de
teólogo, é representante e co-redator da Carta da Terra.
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