8 de fevereiro de 2010

Caminhada na orla santarena



                              Caminhava mantendo sempre um ritmo constante...Seu olhar prendia-se no azul e nas maresias, também, cadenciadas do rio Tapajós. O rio que fora “minha rua” no dizer do eterno poeta Ruy Paranatinga Barata, mas que, na verdade, é a rua de todos os santarenos, haja vista o vaivém de velas, canoas, embarcações e rabetas, bem como a avenida de sonhos, esperanças, realidades, vidas, encontros de almas e gentes heróicas que povoam as várzeas e as paragens mais recônditas desta grandiosa Amazônia.  
                              De vez em quando interrompia sua distração ao avistar um conhecido e cumprimentá-lo:
- Como vai Zé? Vás, hoje, ao “Colosso do Tapajós”, assistir o urro da pantera?
- Não queres dizer o rugido do Leão?
- ah, ah, ah...(ambas se distanciam sorrindo).     
                              Aspirava, com sofreguidão, as rajadas de ventos aromatizados advindos das várzeas e firmava seu olhar além dos rios (Amazonas e Tapajós) e procurava os contornas da mata, imaginando as possíveis localizações da Ponta do Urubu, Arapemã, Urucurituba, Aritapera, etc, paraísos varzinos que num passado memorável fez pescarias, tomou tipuca na cuia, participou das famosas corridas de argolinha, dançou ao som dos “Mocorongos” dos Paixão, e namorou bela donzela interiorana, terna, casta e fiel. 
                              Voltou das suas elucubrações para checar seus passos. Sentia que continuava num ritmo desejável, tal como o médico o recomendara. Seus pés estavam bem confortáveis no tênis com solado antiimpacto. Suava um pouco, mas, sua camiseta era de algodão, assim como seu calção, o que o deixava sempre refrigerado pela boa absorção dos raios solares, além, é claro, das lufadas constantes de ventos. Observou que outras pessoas, também malhavam por razões como a sua ou pelo simples prazer do ato em si. Graciosas adolescentes, muito embora a idade, “desfilavam” ostentando suas calças de ginásticas, fitness ou legging’s, obviamente, o que contribuiu para valorar a qualidade da sua caminhada.        
                             Após rodear a velha mangueira que se deitara ao chão para abençoar o rio azul, passou pelo Mascotinho, Trapiche e Mascotão e ai bateu-lhe uma saudade doída ao recordar das serestas ao luar, das piracaias de amanhecer o dia e das farras homéricas ao som de um violão plangente do mestre Moacir e da voz cortante do ilustre Machadinho, as explosões melódicas do Antônio Vanghon (cantor) ou, ainda, do saudoso Luis de Assis (voz e violão). Como esquecer da cerveja e dos tira-gostos servidos no Mascotão pelo Toti ou Ligeirinho ou ainda pelo solícito e educado Pedro Paulo?
                              Volveu seu olhar novamente para o rio e lá no seu oposto (Tapajós) divisou a Ponta-Negra. Desta vez veio-lhe à lembrança a cruz majestosa erguida bem no seu extremo, pelo tempo das festividades de Nossa Senhora da Conceição na administração do saudoso e digno prefeito que tanto amou Santarém o inesquecível Dr. Ubaldo Campos Corrêa. Tal cruzeiro à noite, situado num ponto estratégico de confluência do rio Amazonas com o Tapajós, dominava a entrada da linda Cidade, pelo fulgor de suas luzes e o enigma que provinha de seus braços abertos para frente da Matriz, numa atitude de reverência cristã à Santa e proteção aos viajantes dos rios. 
                              Àquela altura da manhã o sol subira de trás da mata e desabrochara raios escarlates por sobre as bordas do céu e deixara transparecer, com nitidez, o azul incomparável do Tapajós, ou como dissera o grandioso santareno, Antônio Adolfo Albuquerque, num surto oportuno de paroxismo poético “a veia que transporta o azul da Amazônia”. E quando esse rio se mostra, compositores debruçam-se sobre seus papeis, poetas escrevem versos inconcebíveis, músicos tocam as mais sublimes canções e as gentes simples, simplesmente o idolatram, o amam e vivem porque bom e diferente é viver numa cidade banhada por um rio caudaloso, de um azul de anil como o azul profundo de um céu tropical, cujas praias de tão lindas arrancam choro de emoção e despertam de norte a sul do país o suspiro e o “orgulho nacional”! 
                              Já refeito das emoções, ultrapassa o Mercado Modelo, atinge o Mercadão 2000 e finda sua caminhada nas imediações daquele santuário que outrora se chamava Vera-Paz. Dali perscruta as águas na esperança de ainda ver vestígios da Coroa-de Areia e nada vê...Só o amontoado de barcos, capim e o embarque e desembarque de cargas e pessoas. De origem, só o dia-a-dia feérico dos pescadores transportando sua produção para o mercado local. Ainda bem! A feira de produtos e bens varzinos é rica em variedade, abundância, e preços relativamente módicos.

                              Mas..., pergunta-se: - E a Vera-Paz? E os fósseis indígenas, onde estão?         
           
                                                                                          Paulo Paixão

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