Uma mãe instrui a criança: “Meu filho, não jogue o lixo no quintal, porque aí não é o rio”. Em pleno século XXI, os rios ainda são usados para afastar o lixo e o esgoto e as cidades voltam as costas para eles.
Os cidadãos urbanos vivenciam fragmentos limitados do ciclo da água. Desconhecem o caminho que ela percorre até chegar à torneira e ignora para onde ela vai quando desaparece no ralo. Nas enchentes, eventos críticos cada vez mais freqüentes, os cidadãos urbanos têm um contato dramático com as águas, que causam prejuízos econômicos e mortes.
Eles não conhecem o ciclo da água que se condensa nas nuvens, precipita, escorre superficialmente ou infiltra no solo. Água que também circula dentro dos corpos dos animais e seres humanos, bem como dos vegetais que a devolvem à atmosfera na evapotranspiração. Não têm consciência das relações entre o ciclo do carbono e o ciclo da água e o fato de que, ao interferir no ciclo do carbono e aumentar a emissão de gases de efeito estufa para a atmosfera, o ser humano provoca uma resposta no ciclo da água, sensível a variações de temperatura. Diferentemente de povos indígenas ou agricultores ou pescadores, que têm uma noção mais integral desse ciclo, por depender dele para sua sobrevivência, o cidadão urbano tornou-se hidroalienado.
A hidroalienação é a falta de consciência sobre como funciona o ciclo da água e a falta de conhecimento sobre como ele é alterado pela ação humana.
A relação com a água precisa tornar-se amigável. As cidades precisam voltar-se de frente para os rios e para a água.
Os cidadãos precisam ser hidroalfabetizados. Alfabetizar é dar instrução básica e ensinar a ler e escrever. É condicionar a consciência a descobrir significados em letras, sílabas, palavras, frases, o que permite explorar o mundo da cultura e das idéias. Fritjof Capra criou na Califórnia um Centro para a Alfabetização Ecológica, ou seja, para entender como os ecossistemas sustentam a rede da vida, entender os princípios da ecologia, integrar conceitos por meio do pensamento ecológico, aprender no mundo real, criar comunidades de aprendizado, integrar a cultura da escola e o currículo. A partir daí podem-se conceber e implantar comunidades humanas sustentáveis.
Para desenvolver uma relação harmônica do cidadão com a água um primeiro passo é hidroalfabetizá-lo, dar-lhe o bê-á-bá da água. Hidroalfabetizar é promover a aprendizagem sobre a água, sua importância para a vida e como relacionar-se com ela de forma amigável; é proporcionar as noções básicas sobre o ciclo da água e sobre como a atividade humana o altera, no âmbito local ou global.
Progressivamente pode-se promover a consciência hídrica, as noções sobre o ciclo da água, a presença da água no ambiente, nos corpos vivos, as manifestações culturais que a envolvem, a história do seu uso.
A hidroalfabetização para a gestão da água inclui conhecer processos participativos e instrumentos de ação, bem como o que é feito para conservá-la e dar-lhe uso sustentável. Na educação a partir do bolso, pode-se incentivar, inclusive com estímulos econômicos que ele se interesse pela produção da água. Por meio da cobrança pelo uso da água pode-se induzir a redução dos desperdícios. É relevante conhecer os instrumentos de ação disponíveis na política ambiental e na política das águas – o licenciamento ambiental, os planos de recursos hídricos, o enquadramento de corpos d’água, a outorga, os sistemas de informação e saber como utilizá-los com perícia, de forma articulada e integrada.
A hidroalfabetização é um passo para tornar o cidadão hidroconsciente e para que suas atitudes para com a água sejam de respeito e de cuidado.Também as empresas, organizações e os vários setores do governo precisam ser hidratados e tornar-se hidroconscientes. A hidroconsciência é a compreensão de como a água está presente no universo e no planeta, como funciona o ciclo da água, a importância das bacias hidrográficas, os impactos negativos ou positivos que as atividades humanas provocam sobre ela. É um requisito para desenvolver atitudes amigáveis no relacionamento com a água.
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