Texto escrito pela geóloga Suzi Huff Theodoro:
Tenho lido com interesse os debates e posturas defendidas no âmbito do grupo da FEBRAGEO acerca do Código Florestal. Tem cientistas com laudos irrefutáveis dos dois lados. Em quem acreditar? Quem tem mais crédito científico? Quem defende os reais interesses do Brasil, sejam eles da agricultura familiar ou empresarial ou da conservação da nossa biodiversidade? Com base em algumas mensagens, mas, em especial nos textos que li do professor Aziz Ab’Saber e do suplente de deputado do DEM/PR, Luciano Pizzatto, achei oportuno elaborar e compartilhar algumas observações acerca do que resolvi dar o nome de “A Peleja do Código Florestal Brasileiro".
Desculpem-me pela extensão do texto.
A discussão sobre a necessidade ou não de alteração do código florestal brasileiro vem contagiando vários setores da sociedade. Em certos momentos tenho a sensação de que a nossa paixão nacional por futebol foi transferida para este assunto. Isto, como tudo na vida, tem um lado bom e um ruim. É bom, porque coloca no centro do debate um tema que é fundamental para a sociedade brasileira, que será direta ou indiretamente afetada caso as mudanças propostas sejam transformadas em Lei. O lado ruim é que muita gente, em nome de interesses nem sempre claros, se alvoroça como especialista ou defensor de uma ou de outra visão.
Disso
tudo fica a impressão de que o debate ambiental é apenas uma cortina
que encobre os reais interesses de um e outro grupo (ruralistas e
ambientalistas) e que são subliminares, uma vez que dizem respeito às
questões econômicas. Não se pretende aqui concluir que tais questões
sejam mais pertinentes que as ambientais. As duas compõem um mesmo lado
da moeda, uma vez que devem estar em sinergia e em equilíbrio em prol da
construção de um país que não quer esperar eternamente pelo futuro.
Aqueles
que querem a alteração do Código Florestal, de modo geral, são
nominados como ruralistas e quase sempre remetem a discussão para "a
triste e sofrida vida dos agricultores familiares brasileiros" que,
segundo esta corrente, estão ou estarão impossibilitados de sobreviver
em suas propriedades devido às restrições ambientais impostas pelo
Código em vigor. Ao meu ver esta categoria não é frágil nem uniforme,
mas vem sendo utilizada como massa de manobra. Tem agricultor familiar
altamente tecnificado, usuário costumas de tecnologias de ponta e de
agroquímicos de ultima geração, até o agricultores que vivem à margem do
sistema e que, portanto, não têm acesso aos financiamentos oficiais, à
assistência técnica ou à tecnologias adequadas. Porém, nessa discussão
do Código Florestal todos fazem parte da mesma massa, e são
freqüentemente caricaturados como matutos, os Zés que são
inviabilizados pelas restrições impostas por Luizes do mundo
urbano, que fazem normas, leis e regulamentos em salas com ar
condicionado e com acesso irrestrito aos bens produzidos pelos pobres Zés
do meio rural. Tanto os tecnificados, quanto os Zés são
representados pela CONTAG, que em tese, deveria distinguir quem é quem,
para melhor defende-los em circunstâncias de disputa. Há, ainda nesta
categoria dos ruralistas, os latifundiários, com seus milhares de
hectares de terra que produzem commodities, ao invés de alimentos. Estes
são os grandes interessados em alterar o Código Florestal, pois carecem
de novas áreas para implantar empreendimentos de grande porte. Estes
não são nem os Luizes nem os Zés. Eu arriscaria dizer que
são os Johns, que sobre o pretexto de assegurar a soberania e o
desenvolvimento do Brasil, defendem a continuidade de um modelo de
concentração de terras e riquezas, bem como os interesses das grandes
transnacionais, produtoras de sementes e de fertilizantes. Estes são,
normalmente, representados pela Confederação Nacional da Agricultura
(CNA) e possuem pareceres e dados científicos de peso, inclusive de
órgãos oficiais do governo brasileiro. Além disto, possuem uma banca de
deputados e senadores de peso.
Do
outro lado desta peleja estão os ambientalistas de vários matizes e que
também podem ser divididos em pelo menos duas categorias: a dos
verdes-escuro, aqui batizados de Bills, que não querem alteração
alguma no nosso combalido e atacado Código Florestal e a dos
verdes-claro, os Franciscos, que querem ver o Brasil adotar uma
dinâmica de desenvolvimento socioeconômico e ambiental, baseados em
novas premissas, onde riqueza seja entendida como sinônimo de bem-estar
social. Os Bills, como os Johns também são assessorados
por cientistas de renome, possuem representantes no parlamento
brasileiro, bem como estudos que mostram que o Brasil não cumprirá
acordos internacionais e estará destinado a ser pobre para sempre, caso o
Código Florestal seja modificado. Os Bills são a favor do
banimento do amianto e do mercúrio, (porque isso já aconteceu na Europa e
EUA), questionam a construção de Belo Monte e, por último, dizem que
acidentes terríveis e muito mais graves do que aquele que ocorreu no
Golfo do México acontecerá aqui, caso o País siga com seu projeto de
explorar petróleo na camada do pré-sal. É difícil dizer sob que
instituições os Bills estão abrigados, mas eu arriscaria as
grandes ONGs internacionais.
Os
Franciscos, por seu turno, podem ser encontrados em escolas,
universidades, ONGs, Instituições Públicas ou Privadas e, de modo geral,
são técnicos, agricultores, professores e cientistas que andam por este
imenso país tentando encontrar soluções para sanar as diferenças
regionais ou os eternos conflitos entre o uso e o abuso dos recursos
naturais. Às vezes, os Franciscos podem ser Luizes, mas
nem sempre. Eles não são nem melhores, nem piores que os outros, mas
pode-se dizer que ainda cultivam aquele velho sonho de mudar o mundo (ou
quem sabe o Brasil?). Eles sabem que a agricultura, que é fundamental
para a sobrevivência da espécie humana, precisa ser praticada em outras
bases, onde o respeito pelas restrições ambientais deve ser observado.
Falam de Agroecologia, de Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEEs), de
Sistemas Agroflorestais (SAFs) como ferramentas para contemporizar
divergências e recuperar áreas degradadas. Grande parte dos Franciscos
acha que a alteração do Código pode ocorrer, porque as leis, como quase
tudo na vida, envelhece. Mas recomendam cautela, em especial quando se
trata de particularizar ou estadualizar o regramento ambiental, pois
sabem que os biomas não obedecem a fronteiras determinadas por padrões
político-administrativas. Os Franciscos, por suas andanças nesse
imenso país, conhecem a diversidade geológica, geográfica, climática, de
fauna, de flora e de cultura e acreditam que é possível sim permitir
diferentes parâmetros e tamanhos para as áreas de matas ciliares, pois
sabem que a realidade amazônica é diferente daquela encontrada na
caatinga, no cerrado ou na mata atlântica e, portanto, podem ser
protegidas de forma diferenciada. Muitos Franciscos são filhos
dos Zés e por isto mesmo sabem que os Zés, mais do que
quaisquer Luizes, compreendem o valor e a necessidade de proteger
os rios, as matas e os animais nativos, pois desta proteção deriva a
sua sobrevivência e manutenção na terra. Os Franciscos, ao
contrário dos Bills e dos Johns, querem que o Brasil alie
conhecimentos tradicionais com instrumentos modernos (ZEEs, GIS,
Corredores Ecológicos, modelos matemáticos/estatísticos, leis etc.) para
dar sustentação às escolhas produtivas e de proteção dos ecossistemas,
pois mesmo tendo consciência de que tais instrumento podem facilitar
privilégios, eles podem, também, se converterem em ferramentas de
decisão pública para atender especificidades regionais/locais, sem
perder de vista o conjunto que representa este nosso megadiverso País.
Com
certeza os Franciscos que sonhavam em mudar o mundo ou serem
instrumentos para o estabelecimento da verdade e da paz em lugar dos
erros e da discórdia, carregam hoje uma frustração, pois perceberam que a
discussão sobre as mudanças no Código Florestal se converteu em um jogo
entre oponentes que não visam o bem comum, a preservação do meio
ambiente ou a soberania nacional. Este não é um conflito entre o certo e
o errado, entre o bem e o mal ou entre o mocinho e o bandido, mas sim
uma disputa ferrenha de dominação econômica e política, onde os Johns
obtiveram a vitória no primeiro e mais decisivo round (na
Comissão Especial, criada na Câmara dos Deputados e que analisou e
propôs uma nova versão para o Código Florestal). A peleja continua,
agora no plenário da Câmara dos Deputados. Portanto, vamos ao embate,
pressionando nossos deputados para escolher o melhor caminho para o
Brasil.
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