Votar ou Não Votar, That is The Question
Breno Rodrigo de Messias Leite*
O sistema político brasileiro apresenta uma particularidade: combina a existência de um sistema presidencialista de coalizão, um sistema eleitoral em lista aberta (voto personalizado), um federalismo robusto, um sistema multipartidário fragmentado e deformação da sub-representação para os estados mais populosos e sobre-representação para os menos populosos na Câmara dos Deputados.
As variáveis político-institucionais devem importar na hora de se debater a relevância do voto no Brasil. Nas democracias modernas, onde o sufrágio universal é uma norma intrínseca ao ordenamento social, conquistada pelos direitos políticos do século XIX, o eleitor tem a oportunidade de tempos em tempo, variando de acordo com o desenho constitucional do sistema político vigente, renovar ou manter quadro político. Nas democracias de massa como a brasileira a cidadania vai às urnas e escolhe seus representantes.
Ao contrário do que ocorre nos países de sistema parlamentarista, no presidencialismo o nível do accountability (responsabilização) é mais elevado e transparente: o eleitor tem a oportunidade de punir determinado político de forma pessoal e direta, separando o joio do trigo, deixando de lado a organização partidária. Segundo o cientista político David Samuels, “dada à separação dos poderes no presidencialismo, uma questão pertinente é, portanto, que a clareza da responsabilidade afeta a capacidade do eleitor de premiar ou punir o governo do presidente, nas eleições executiva ou legislativa”. (Presidentialism and Accountability for the Economy in Comparative Perspective, APSR, 2004: 426)
Atualmente a democracia municipalista brasileira passa por um momento muito difícil – diria mesmo paradoxal. Dos grupos mais conservadores aos mais progressistas, todos estão órfãos de uma candidatura que represente a volonté générale, o momento da mudança e renovação nos quadros dos poderes executivos dos municípios. A ausência de projetos consistentes e viáveis para a gestão dos municípios salta aos olhos de todos.
Em geral, as candidaturas não mostram a cara para os eleitores. Em função das regras do jogo, quase todos os partidos estão envolvidos em algum tipo de corrupção na esfera do poder político. Os grupos de pressão, os movimentos sociais, os sindicatos, associações empresariais, em suma, as organizações da sociedade civil, encontram-se recolhidos, e também não apresentam projetos plausíveis para sustentar uma ou outra candidatura. De fato, estamos num barco à deriva e sem perspectivas de encontrar uma migalha de terra firme.
Diante desse quadro, gostaria de apontar algumas razões da decisão do voto nulo e/ou válido. Penso que a primeira razão é de ordem programática: os partidos e as candidaturas não apresentam plataformas para superar a atual situação dos municípios. Os eleitores, que são movidos pela racionalidade, optam por tomar uma posição clara e jogam as suas responsabilidades nas costas dos outros. Ou seja, o não engajamento do eleitor transfere para outrem a responsabilidade pela escolha pública.
Portanto, numa inferência lógica, a segunda razão é a negação de primeira, à medida que formaliza mais claramente o interesse do eleitor em manifestar-se nas urnas, quer no primeiro turno quer no segundo turno. Neste caso, votando em candidaturas e partidos racionalmente eficazes para atender aos seus interesses imediatos.
Uma razão bastante perceptível é de ordem ideológica: o voto nulo como o exercício da crítica ao procedimento eleitoral, uma vez que coloca em xeque a legitimidade majoritária do pleito e naturalmente do próprio jogo democrático, que intrinsecamente exige a participação do cidadão no processo de deliberação da res publica.
O voto ideológico é importante na contabilização dos votos válidos. O eleitor fiel e militante vota aconteça o que acontecer no seu candidato ou no seu partido. Num momento de polarização, no segundo turno das eleições majoritárias, p. ex., este voto é a garantia do êxito ou da dívida após as eleições.
Uma terceira razão diz respeito ao voto nulo de protesto. Ou seja, o eleitor percebe a ascensão de determinadas candidaturas mais fortes e que não lhe agrada, e decide votar nulo como uma forma de protesto. Trata-se do voto como instrumento de protesto, ou mesmo, como a rejeição da algum candidato que já participa do status quo.
A partir destas três perspectivas, penso que a questão do voto nulo ou válido, ao invés de tomar um caminho obscuro e até mesmo folclorizado, como uma atitude de indiferença, deve ser encarada e revisto com mais seriedade pelas organizações partidárias e pela opinião pública corrente. O voto nulo e o voto válido são potencialmente votos programáticos, ideológicos ou mesmo de protesto.
A minha posição e interpretação é, portanto, o inequívoco: o voto (nulo ou válido) funciona como um instrumento de participação no processo de escolha pública; que, por sua vez, deve estar vinculado a um projeto e a uma visão de mundo do eleitor. O voto também se transforma numa arma à medida que subverte e questiona as normas políticas vigentes. As eleições, os partidos e candidatos, numa concorrência imperfeita, agindo de acordo com suas escolhas e preferências, optam muitas vezes, e esta é a tendência dominante, a não criar questionamentos ou dúvidas: a sua missão é demonstrar aos eleitores que suas plataformas são as melhores e que o voto, na verdade, é o voto de confiança, e não de compromisso. Por isso, o eleitor mediano é convencido de votar em X e não em Y.
Portanto, o tema do voto nulo ou voto válido não é dogmático, nem no sentido de defendê-lo a qualquer custo, e muito menos de refutá-lo radicalmente. Penso que o exercício da democracia pode ser um instrumento da livre escolha dos cidadãos para o aperfeiçoamento do desempenho político-institucional para a promoção do bem-estar social. Democracia não é ditadura: o cidadão deve se preocupar com os que estão legitimamente na representação e não lhes delegar toda a virtù e toda fortuna da república a qualquer custo.
* Breno é amazonense, sociólogo, e o mais jovem aluno da turma de Mestrado em Ciência Política da UFPA.
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