Esta nota abaixo merece ser republicada por inteiro. Está no site Tierraamérica.
Especialistas estrangeiros realizam a maior parte dos estudos sobre a vasta e rica região. O Brasil tenta triplicar os estudantes locais de pós-graduação até 2010.
A Amazônia precisa de mais cientistas
Por Mário Osava*
RIO DE JANEIRO.- A Amazônia, que concentra a maior biodiversidade e 60% do território do Brasil, recebe apenas pouco mais de 2% dos escassos investimentos nacionais em pesquisas. Por isso não surpreende que apenas 36,9% dos artigos científicos que tratam da vasta região provenham de autores brasileiros, enquanto os estrangeiros respondem por quase dois terços destes, segundo um estudo estatístico de Adalberto Val, biólogo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Val analisou 1.026 textos no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão de fomento aos pós-graduados. Sua pesquisa mostrou que os Estados Unidos lideram a produção científica sobre a Amazônia, com 41,6% dos artigos, dos quais apenas uma mínima parte foi feita com a colaboração de brasileiros. O Brasil não conta com pessoal nem mesmo para “compreender, processar e assumir” o conhecimento disponível produzido por pesquisadores estrangeiros, lamentou Val, para quem é urgente formar e estabelecer cientistas na região. O conhecimento científico local é fundamental para a tomada de decisões sobre uma área rica em recursos naturais cobiçados no mercado internacional. “Hoje, a soberania se exerce mais com informações do que com armas. Nosso controle sobre a Amazônia diminui se não se conhece bem o que existe ali, as relações de seus animais e suas plantas com o meio ambiente”, destacou Val. Fincar recursos humanos qualificados nessa região exige uma virada. A Amazônia só dispõe de 3% dos 1.820 programas de pós-graduação registrados pela Capes. Além de formar cientistas e técnicos, é necessário que estes vivam na Amazônia para “interagir com a sociedade local” e promover seu desenvolvimento, pois não basta passar alguns meses ou anos ali recolhendo dados para uma tese, destacou Val. Dos 379 artigos brasileiros registrados, menos da metade foi produzido em instituições amazônicas. O Brasil conta com cerca de 50 mil doutores, e apenas pouco mais de mil trabalham na Amazônia, segundo a Capes. Um novo programa, “Acelera Amazonas”, pretende atacar esse déficit, triplicando os estudantes de pós-graduação na região até 2010, com recursos para ampliar a quantidade de laboratórios e bolsas. Além de cursos de pós-graduação locais, será estimulada a migração de pesquisadores para a Amazônia e a cooperação científica com outras partes do Brasil e do exterior. A quantidade de doutores em terras amazônicas deve aumentar a um ritmo muito superior do que no restante do país, ao contrário do que vinha ocorrendo, disse ao Terramérica José Fernandes Lima, diretor de programas da Capes. A escassez de pesquisadores é mais grave ainda nos demais países amazônicos: Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. O Brasil responde por 44% da produção científica latino-americana, segundo Lima. Nos artigos que analisou, Val estima que menos de 10% são de autores dos sete países que compartilham a Amazônia com o Brasil. Para Dennis Del Castillo, presidente do estatal Instituto de Pesquisa da Amazônia Peruana, estas estatísticas não refletem exatamente a ciência acumulada na região. A baixa quantidade de publicações dos países amazônicos responde “ao costume de nossos pesquisadores de produzir e armazenar enorme quantidade de informação”, que não divulgam como artigos científicos “ou demoram muito tempo” para fazê-lo, disse o especialista. Além disso, são escassas as revistas científicas em espanhol ou português, bem como os investimentos em ciência, acrescentou. Nos Estados Unidos, além de maior investimento, “o pesquisador que não publica simplesmente é excluído do sistema”, enquanto nos países amazônicos e andinos não se exige a publicação como medida de produtividade, comparou. Para o especialista, é importante atrair cientistas, oferecendo-lhes boas condições de trabalho e uma vida interessante, e também facilitar estudos de qualidade para “jovens locais com vocação científica, conhecedores de seu meio biofísico e dos costumes de seus povos”. Outro cientista, Adalberto Veríssimo, concorda que a negligência em publicar tem cunho cultural, mas também faltam estímulos para superar essa deficiência de brasileiros e outros latino-americanos.”Há muito conhecimento encaixotado”, que só passará a ser útil e a “existir como ciência” depois de publicado, o que exige seleção e sistematização das informações, disse Veríssimo, agrônomo do não-governamental Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia e autor de mais de 80 textos sobre a região.
* O autor é correspondente da IPS.
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