Por Lúcio Flávio Pinto em 05/09/2005
Fonte: Jornal Pessoal
Fonte: Jornal Pessoal
A trajetória da construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, foi novamente interrompida no dia 26. O procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, questionou perante o Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade do decreto legislativo através do qual o Congresso Nacional autorizou o Executivo a iniciar a implantação do projeto da usina.
Para dar cumprimento ao decreto, o governo federal terá que realizar três estudos: o EIA/Rima (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental), a Avaliação Ambiental Integrada da bacia do rio a ser aproveitado para fins energéticos e o estudo de natureza antropológica sobre as comunidades indígenas da área.
A divergência entre o Congresso e o Ministério Público Federal é de natureza metodológica. O parlamento considera que os índios podem ser ouvidos a partir da autorização dada à execução dos levantamentos, que seria o momento atual. Já o procurador diz que as comunidades indígenas afetadas deveriam ter sido ouvidas na fase de elaboração do decreto - antes, portanto, de sua edição.
Como essas audiências prévias não foram realizadas, o chefe do MP entende que o decreto violou a Constituição. Dispositivo constitucional condicionou a autorização para a exploração das riquezas existentes em terras indígenas a uma lei complementar, não promulgada até hoje. Por isso, nenhuma obra ou estudo visando a exploração dos recursos hídricos poderia ser realizada em áreas indígenas. Com essa interpretação, o MP pediu a imediata suspensão do início dos estudos de viabilidade técnica e econômica, de impacto ambiental e de natureza antropológica para a implantação definitiva da hidrelétrica.
Independentemente da deliberação do STF a respeito, há outras questões: se, antes ou depois da autorização, os grupos indígenas que habitam a área de influência da hidrelétrica rejeitarem-na, a obra não poderá mais ser realizada, de modo algum? Se a resposta for positiva, os índios terão um voto qualificado, de maior peso do que o de toda população restante na mesma área.
Os ditos civilizados participam de audiências públicas convocadas para discutir o EIA-Rima, mas a instância é meramente consultiva. A deliberação fica por conta de um colegiado menor, o conselho estadual (ou nacional, conforme o caso) do meio ambiente e o órgão público licenciador. Haverá então votos de dois pesos, com privilégio para os índios sobre os "civilizados".
Ou a consulta deverá ter caráter deliberativo para ambas as comunidades ou então a oitiva dos índios também terá que ser apenas consultiva, ficando a decisão final por conta do colegiado especializado, a partir dos dados técnicos da instituição responsável pelo licenciamento ambiental.
Qualquer que venha a ser o encaminhamento, o peso dessa consulta passará a ser enorme, vital, talvez desproporcional. Essas comunidades estarão em condições de tomar decisões realmente corretas, não só para si, mas também em benefício de todos os brasileiros? Conseguirão conciliar o interesse nacional com as realidades locais? Terão capacidade de resistir a pressões feitas pelos grupos interessados nas obras, sem transformar sua aceitação numa moeda de negócio? E as instâncias fiscalizadoras e controladoras desses atos, serão capazes de estabelecer os ajustes necessários entre os direitos das populações nativas e as demandas do país, de tal maneira a evitar uma relação distorcida, defeituosa ou viciada entre esses dois planos?
A intervenção do MP não é impertinente, como alegam os políticos, os empresários e os burocratas interessados na execução da obra. O Ministério Público, como fiscal da lei, está alertando para o cumprimento da lei. Mas há um vácuo entre o enunciado da legislação e as questões práticas que o ajuste socioambiental da construção de grandes hidrelétricas impõe. Agora é o momento de resolvê-las, sem a viseira do "politicamente correto" nem o látego dos interesses econômicos. Com a visão mais ampla que for possível, com base nos novos conhecimentos produzidos pela sociologia e a economia. E pela já larga experiência no trato com essas obras, para o bem e para o mal.
O impasse é verdadeiro. Mas, como toda crise verdadeira, poderá se tornar criador.
Para dar cumprimento ao decreto, o governo federal terá que realizar três estudos: o EIA/Rima (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental), a Avaliação Ambiental Integrada da bacia do rio a ser aproveitado para fins energéticos e o estudo de natureza antropológica sobre as comunidades indígenas da área.
A divergência entre o Congresso e o Ministério Público Federal é de natureza metodológica. O parlamento considera que os índios podem ser ouvidos a partir da autorização dada à execução dos levantamentos, que seria o momento atual. Já o procurador diz que as comunidades indígenas afetadas deveriam ter sido ouvidas na fase de elaboração do decreto - antes, portanto, de sua edição.
Como essas audiências prévias não foram realizadas, o chefe do MP entende que o decreto violou a Constituição. Dispositivo constitucional condicionou a autorização para a exploração das riquezas existentes em terras indígenas a uma lei complementar, não promulgada até hoje. Por isso, nenhuma obra ou estudo visando a exploração dos recursos hídricos poderia ser realizada em áreas indígenas. Com essa interpretação, o MP pediu a imediata suspensão do início dos estudos de viabilidade técnica e econômica, de impacto ambiental e de natureza antropológica para a implantação definitiva da hidrelétrica.
Independentemente da deliberação do STF a respeito, há outras questões: se, antes ou depois da autorização, os grupos indígenas que habitam a área de influência da hidrelétrica rejeitarem-na, a obra não poderá mais ser realizada, de modo algum? Se a resposta for positiva, os índios terão um voto qualificado, de maior peso do que o de toda população restante na mesma área.
Os ditos civilizados participam de audiências públicas convocadas para discutir o EIA-Rima, mas a instância é meramente consultiva. A deliberação fica por conta de um colegiado menor, o conselho estadual (ou nacional, conforme o caso) do meio ambiente e o órgão público licenciador. Haverá então votos de dois pesos, com privilégio para os índios sobre os "civilizados".
Ou a consulta deverá ter caráter deliberativo para ambas as comunidades ou então a oitiva dos índios também terá que ser apenas consultiva, ficando a decisão final por conta do colegiado especializado, a partir dos dados técnicos da instituição responsável pelo licenciamento ambiental.
Qualquer que venha a ser o encaminhamento, o peso dessa consulta passará a ser enorme, vital, talvez desproporcional. Essas comunidades estarão em condições de tomar decisões realmente corretas, não só para si, mas também em benefício de todos os brasileiros? Conseguirão conciliar o interesse nacional com as realidades locais? Terão capacidade de resistir a pressões feitas pelos grupos interessados nas obras, sem transformar sua aceitação numa moeda de negócio? E as instâncias fiscalizadoras e controladoras desses atos, serão capazes de estabelecer os ajustes necessários entre os direitos das populações nativas e as demandas do país, de tal maneira a evitar uma relação distorcida, defeituosa ou viciada entre esses dois planos?
A intervenção do MP não é impertinente, como alegam os políticos, os empresários e os burocratas interessados na execução da obra. O Ministério Público, como fiscal da lei, está alertando para o cumprimento da lei. Mas há um vácuo entre o enunciado da legislação e as questões práticas que o ajuste socioambiental da construção de grandes hidrelétricas impõe. Agora é o momento de resolvê-las, sem a viseira do "politicamente correto" nem o látego dos interesses econômicos. Com a visão mais ampla que for possível, com base nos novos conhecimentos produzidos pela sociologia e a economia. E pela já larga experiência no trato com essas obras, para o bem e para o mal.
O impasse é verdadeiro. Mas, como toda crise verdadeira, poderá se tornar criador.
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