9 de setembro de 2005

Ambientalismo no Brasil, procura-se: vivo ou morto!

Data: 9/9/2005
Por Profa. Ms. Célia Regina Russo
(
celiarusso@terra.com.br )

Meio Ambiente, Educação Ambiental e ambientalismo como áreas temáticas têm alianças sólidas e indissolúveis desde a origem. A despeito do ambientalismo no mundo, os progressos percebidos nesta área em nosso país são inquestionáveis. Temos a legislação ambiental mais moderna, conquistamos espaços na mídia, alcançamos a regulamentação da política nacional de meio ambiente, de educação ambiental, conseguimos regulamentar o sistema nacional de unidades de conservação, consagramos e consolidamos a política nacional de turismo e de ecoturismo, marcamos presença em órgãos colegiados tais como CONAMA, CONSEMAs e conselhos municipais de meio ambiente, conselhos municipais de turismo vinculados à sustentabilidade, porém, a questão do ambientalismo, organizações não- governamentais e da sociedade civil, ainda carecem de lapidação e aprimoramento. Talvez, pela própria trajetória, e tendo em vista o desenho de novas realidades, o ambientalismo brasileiro não careça exatamente de aprimoramento, mas sim, de muita reflexão e diálogo. Ajustes. O percurso dos movimentos sociais no mundo se deu em função de uma pergunta recorrente, a saber, "delinqüentes são os governos ou o povo" ? Tal questão perpassou todos os movimentos sociais desde a década de 1960, quando a sociedade civil clamava não só por liberdade de expressão como também, da certeza de que seus governantes conduziam seus governados na direção do progresso, da qualidade de vida, de meio ambiente e da paz. Assim, na década de 1940, cientistas do mundo inteiro se reuniram em torno da questão ambiental mais voltada para a ecologia fundando o movimento de oposição de cunho ambiental (no início conhecida como União Internacional para a Proteção da Natureza UIPN -, hoje, União Internacional para a Conservação da Natureza - UICN), na justa medida em que repercutiam os efeitos do uso da tecnologia, da expansão do movimento urbano e das guerras que, por sua vez, foram conduzidas para a libertação dos países submetidos aos desmandos de governantes ensandecidos. Em 1945, findou a Segunda Grande Guerra, na década de 1950 a Guerra da Coréia, e, em 1960-1970, Vietnã. Todavia, acompanhando os rumos da história, o processo de industrialização e o capitalismo, trouxeram a verbalização das preocupações dos cientistas que, aos poucos, foram sendo assimiladas pela população mundial. Tais colocações identificavam o fim do modelo industrial como forma de crescimento, desenvolvimento e progresso, ou seja, o modelo mostrava seu esgotamento, mesmo em suas projeções futuras já na década de 1940. Não haveria mais "roda a ser inventada", não haveria como suprir a crescente demanda de bens manufaturados (com qualidade e preço), não haveria como garantir direitos trabalhistas e emprego para uma população que, em pleno êxodo mundial em razão dos "diversos holocaustos" efetuados durante a Segunda Guerra, buscava emprego, renda e estabilidade para reconstruir suas vidas. Em paralelo, e lá no final do túnel, começou a surgir um movimento de esquerda, o Partido Verde alemão que, em suas proposições, assimilou o discurso mais moderno com vistas à qualidade de vida e do meio ambiente. Junto a ele, os movimentos da sociedade civil, já envolvidos com as questões de oposição às injustiças e à exclusão social promovidas pelo capitalismo vigente. Organizações não-governamentais, já formalizadas como instituições sem previsão de lucro (legislação regulamentada no Brasil em 1999), traziam em seus estatutos a obrigatoriedade de efetuar projetos com cunho social, especialmente os não feitos ou mal executados pelo Estado, que, desde os anos 1980, entendeu suas limitações inclusive para cumprir o que de fato lhe é próprio, ou seja, educação, segurança, saúde, entre outros. Nestes termos, a questão do capitalismo agonizante afetou a todos cidadãos dos mais diversos países, e, sempre de modo crucial, na questão da geração de empregos e renda. Surgiu assim mais uma mudança, a saber, a sociedade pós-industrial. Imperceptível para a sociedade e para o cidadão comum já na década de 1990, tal configuração passou a manifestar sua carência de modelos, carente de rumos mais consistentes, desemprego, terceirizações, trabalhar por projetos, falta oportunidades de planejamento familiar e de vida. Nos Estados Unidos da América do Norte as ONGs voltadas para meio ambiente, pautaram suas lutas mediante as práticas já consagradas nos licenciamentos ambientais posto que, os Estudos de Impacto Ambiental, Relatórios de Impacto Ambiental e interdisciplinaridade, voltados especialmente para o gerenciamento de riscos socioambientais em empreendimentos de porte regional, lá se concolidaram desde 1969. Influenciaram a legislação e se constituíram como um grupo forte, atuante. Porém, em face dos impactos sociais mais voltados para as crises mundiais da década de 1980, a atuação mais profícua foi a dos antropólogos sociais, psiquiatras e psicólogos, que passaram a trabalhar a evolução mitológica das comunidades. Assim, pesquisadores como Feinstein e Krippner atuaram junto das municipalidades no resgate da psicologia evolutiva do self, tendo em vista que, o "princípio do fundador" (ou padrão mítico coletivo elaborado a partir da própria história), nas soluções dos problemas é o fator de consolidação das identidades locais. Muito mais voltado para as tradições acumuladas, o cidadão norte- americano sempre se conduziu pela contestação das ações do Estado de modo que, a sociedade naturalmente organizada em associações comunitárias, talvez tenha percebido as ações das ONGs ambientais como mais uma ação de amplo espectro e não como aquela que redimiria a visão mítica das comunidades. Nestes termos, Michael Shellenberger e Ted Nordhaus, consideraram que os ambientalistas aprenderam a lição errada. Se afastaram das questões mais pontuais mediante o exemplo europeu, conduzindo suas ações pela elaboração de políticas públicas mais voltadas para as questões do poder e não do povo. Ou seja, elaboraram mais políticas do que a própria política era capaz de realizar dentro do próprio ambientalismo, combatendo ambientalistas se afastando das questões ambientais. Para os autores, o ambientalismo deve dar um passo para trás, repensar suas ações estritamente táticas e, a partir de técnicas, elaborar propostas políticas que atinjam e atraiam a coletividade para o seu cerne. Além disso, os autores baseiam suas observações pela análise do ambientalismo na evolução da sociedade norte-americana, entre os governos Bill Clinton e George W. Bush (eleição do ano 2000), e reiteram a presença marcante do preconceito (fundamentalmente contra os latinos), das ações marcantes dos líderes religiosos, líderes políticos, jovens e celebridades (socialites). Relativismo social, e, isolamento dos ambientalistas. Passando para a sociedade brasileira, nota-se o clássico conservadorismo, no qual ainda perdura a visão de meio ambiente e natureza como aquela que se definiu na década de 1970, ou seja, "a natureza é estática e parada como um quadro; deve proporcionar prazer aos olhos, lazer e bem estar ao homem". Não são poucos os autores que refletem sobre a questão elitista das visões e conceitos de mundo natural modelado pela mão humana. Paga por ele aquele que detém maior poder econômico! Contudo, aqui os movimentos sociais históricos, são avaliados em trabalhos de pesquisa científica e, de seus resultados, não é difícil perceber a desvalorização e a desqualificação que movimentos tais como o estudantil e das minorias excluídas, entre tantos outros, não passaram de pura rebeldia juvenil ou de classes que, para as contas da coletividade, em nada contribuíram para a qualidade de vida. Diferentemente do exposto por Shellenberger e Nordhaus, que afirmam sobre a cristalização do movimento ambientalista ainda sob as bases das contestações da década de 1970, aqui, continuam na década de 70 as aspirações da sociedade. Os cômputos dessa história provam que, a despeito do conservadorismo brasileiro, houve um amadurecimento e um aprimoramento social a partir daqueles que emprestaram seus créditos em função de ideais mais amplos. Há pesquisadores que conjecturam que, liberdade de expressão não é um componente de qualidade de vida no Brasil. Talvez os líderes do movimento ambiental norte-americano tenham falado demais para pouca audiência mas, no Brasil, falaram de menos porque não havia ninguém para ouvir. Pelo exposto, pode-se postular que o perfil de nossa sociedade, fortemente capitalista, mantém-se o comportamento da sociedade de consumo, tal como se ainda pudéssemos retornar ao Milagre brasileiro da década de 70, e como tal, não aprendemos a considerar o trabalho e as relações sociais, mas antes só aprendemos a considerar o lucro. Mas, e o Partido Verde? Quais relações o PV mantém com os trabalhos e o ideais das ONGs e OSCIPs no Brasil? Quais atuações a sociedade civil organizada entende como definitivamente suas? Qual a noção que o brasileiro tem de trabalho? Os ambientalistas trabalham? Há mesmo necessidade de grupos para debater e dialogar qualidade ambiental? Meio ambiente e recursos naturais não são bens coletivos e difusos? "Ambientalistas são treinados para criar obstáculos para o progresso" (?!!?). Afinal, o que é e como vive o ambientalista, qual deve ser o seu perfil? Ambientalista é aquele que nega as origens? Vive às custas do dinheiro das empresas poluidoras? Vive às custas da difamação do Estado? Os movimentos sociais no Brasil, deixaram de ter sua melhor expressão há algum tempo, e, em seu lugar, os movimentos sindicais, são os únicos reconhecidos pela coletividade, mesmo porque, expressam o que o trabalho organizado pela legislação trabalhista entende como gerador de riqueza. Não por isso, sindicalistas lutam pelo que o poder econômico subleva em seus anseios. Se desenvolvimento também significa renda, lucro e riqueza, há que se lembrar que este conceito também evoluiu, ou seja, passou pelas idéias de poder econômico desenvolvimento durável (1960-1970), para poder político ecodesenvolvimento (1970-1980) até chegar em desenvolvimento sustentável poder do cidadão (1990). Então a solução está em poder do cidadão comum. Entrementes, se o cidadão é a "salvação", ele também é o grande vilão da história, pois, como parte integrante da sociedade pós-industrial, se incluiu nos movimentos das grandes massas mesclado em meio à multidão, e, na busca por alicerces, consome avidamente produtos descartáveis e de cultura supérflua na crença de que, através deles, poderá encontrar padrões, valores, âncoras e modelos a serem seguidos. Como todos, não consegue aferir onde se situa a ausência mas se ressente do vazio deixado pelos movimentos sociais das décadas passadas, e ainda, subestima e aceita sua própria expressão diluída na multidão porque este é o preço para se sentir incluído nos hábitos e costumes contemporâneos. Relativismo puro. Entretanto, ambientalismo não é um movimento de grandes massas, mas sim, de individuação, de encontro, de certezas, de luta. Em meio ao vazio de valores, em meio ao relativismo, o ambientalismo corre o risco de, não rara vez, entrar em rota de colisão. Denuncia ambientalistas, depõe contra o movimento colocando-o sob a suspeita de fragilidade. Lideranças legítimas naufragam, novas lideranças são sufocadas, esquecendo que toda sociedade continua trabalhando pelo mínimo de sobrevivência econômica. E frentes de trabalho não faltam. Orientar a direção dos investimentos, atualizar a população para o bem dos recursos naturais e da coletividade, intuir o planejamento comunitário de modo a auxiliar na reorientação dos padrões de consumo, criatividade, contribuir para as alianças comunitárias, reorganizar grupos, instrumentar o encontro das identidades socioambientais, contribuir para melhores soluções governamentais e se fazer valer perante os poderes constituídos. Se para as proposições de Shellenberger e Nordhaus, a questão da sobrevivência do ambientalismo está na construção de linha ideológica e política e no abandono da arrogância corporativista de muitos grupos de ambientalistas, cuja proteção se dá mais para o pensamento ambiental do que para o ambientalismo, no Brasil, isso talvez não seja diferente. Para os autores, o ambientalismo deve trabalhar para promover uma engenharia política, de sorte que, uma nova sociedade possa surgir fundamentada em seus próprios valores e no que entendem por futuro. Distante dos "sons das ciências", os ambientalistas devem buscar "os sons da bases da sociedade". Mas ainda fazem um adendo. Shellenberger e Nordhaus polemizaram o ambientalismo norte-americano mediante os esforços a serem feitos em favor da adesão dos USA ao Protocolo (Tratado) de Kyoto e, em nenhum momento, descartaram o valor do desempenho das idéias e ideais ambientalistas no mundo. E no Brasil, qual é o ambientalismo que queremos? O ambientalismo morreu? Nossos desafios devem mudar de foco? Ambientalismo é trabalho e luta. Trabalho não costuma morrer ou fugir ! Para tanto, o ambientalismo brasileiro pode se centrar na criação de um calendário mínimo para que, através do diálogo e da troca de experiências, todos possam crescer juntos. Parcerias, alianças e compromissos consistentes entre as organizações; focalizar mais seus questionamentos nos problemas relacionados ao trabalho, à saúde ambiental e do trabalhador, e acima de tudo, ampliar seus valores com vistas em 2012, para que Kyoto também encontre respaldo legislativo e organizacional nas ações ambientalistas no Brasil. Por fim, o movimento ambientalista brasileiro pode, e talvez deva refletir melhor, sobre as pautas, a ideologia, os discursos e os valores colocados como marcos fundamentais já na década de 70 e, neles, procurar entender as formas de reformulação do imaginário mítico pretendido para o Milagre brasileiro. Deve também reconsiderar a força política do Partido Verde em suas representações posto que, deste entendimento trabalho e meio ambiente possam dialogar e inferir na qualidade de vida dos cidadãos. Ademais, para romper com o relativismo perante os instrumentos operacionais da sociedade pós-industrial, o ambientalismo deve, de todas as formas, entender o conceito de comunidade e, nelas, atuar para um planejamento cidadão e sustentável.

Célia Regina Russo, Bióloga, Ecologista, Mestre em Ciência Ambiental USP, 47 anos, é Docente universitária em São Paulo e membro associado de três ONGs. A Morte do Ambientalismo (Death of Environmentalism) de Michael Shellenberger e Ted Nordhaus pode ser acessado em http://www.thebreakthrough.org/images/Death_of_Environmentalism.pdf e as discussões ocorridas na revista digital "Grist" http://www.grist.org/news/maindish/2005/01/13/little-doe/ e http://www.grist.org/news/maindish/2005/01/13/little-responses/

3 comentários:

Anônimo disse...

Agradeço a Jubal Cabral Filho pelo prazer de ver este texto publicado no blogspot Agonia ou Êxtase. Porque não nos conhecemos e nunca termos nos falado, ver meu texto aqui publicado me diz sobre a concordância de idéias. Quando o redigi, meu momento dizia que a sociedade poderia fazer mais e melhor. Hoje, após muita leitura e pesquisa, considero que a sociedade não faz mais porque não conhece e não foi preparada para o melhor.
Cordiais saudações e gratíssima
Célia Russo
celiarusso@terra.com.br

Jubal Cabral Filho disse...

Não só concordo como pretendo sair do campo de pesquisa e leituras para traduzir estas idéias aos que querem participar aqui na floresta amazonica.
Onde trabalho já estou implantando alguma educação ambiental e mostrando que o meio é o ambiente em que se vive,
Obrigado, também, pelo belo texto.

Anônimo disse...

Parabéns pelas iniciativas!
Em que couber, conte comigo,
abraços e votos de êxito em tudo
Célia Russo