5 de junho de 2005

MEIO AMBIENTE

Nunca é demais falar sobre o nosso Meio Ambiente. Este artigo/relato de Monica Alves é digno de ser republicado aqui:


REPORTAGEM ESPECIAL:
No Dia Mundial do Meio Ambiente, o melhor presente é mais dinheiro para o setor
Mônica PintoDomingo, 05 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente.


O anúncio do segundo maior índice de desmatamento na Amazônia, em toda a história, já seria o bastante para obscurecer os holofotes que o Governo Federal gostaria de atrair para si, enumerando méritos comemorativos.
Mas se a data rende bom aproveitamento para a área de marketing, a prática mostra que a atual administração vêm acumulando decepções nesse quesito. Um dos principais problemas, de conhecimento geral, é a distância entre as boas intenções da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, aceitas quase unanimemente, e o que, de fato, o Governo lhe fornece em prestígio e condições de trabalho. Isso cria um paradoxo, já que os críticos da política federal para o setor assestam suas baterias contra o Palácio do Planalto e não sobre quem, em tese, estaria a conduzi-la.
A gestão ambiental no âmbito da Federação vive no limite de suas forças. E onde já não havia gorduras a cortar, foi imposta uma dieta radical. O Decreto de Contingenciamento em 2005, de número 5.379/05, limitou o empenho, a movimentação financeira e os pagamentos de despesas não obrigatórias do Executivo federal em R$ 15,9 bilhões na programação financeira anual. O objetivo da medida, assumidamente, foi assegurar metas de superávit primário e fazer frente ao ajuste fiscal de 4,25% do PIB. A prioridade ao pagamento de juros da dívida externa brasileira não poupou nem a área social do aperto – quanto mais a área ambiental. Diante do maior montante já contingenciado pela administração pública federal brasileira - 50% superior ao de 2004 –, o Ministério do Meio Ambiente, que já não abocanhava grande fatia do bolo, viu suspensas 38,0% das previsões de despesas alocadas em custeio, investimento e inversões financeiras. Mesmo antes do contingenciamento, a Lei Orçamentária Anual – LOA -, de 2005, previa R$ 633 milhões para o Ministério do Meio Ambiente, R$ 212 milhões a menos do que os recursos destinados ao Ministério das Comunicações.
O Ibama é uma vítima notória da escassez de recursos.
As dificuldades foram alimentadas já no nascedouro do órgão. Formado em 89, a partir da fusão de quatro órgãos da área ambiental - Secretaria do Meio Ambiente - SEMA; Superintendência da Borracha - SUDHEVEA; Superintendência da Pesca – SUDEPE, e o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF -, o Ibama acumulou tarefas, ganhou outras ao longo do tempo e os meios para honrá-las simplesmente estagnaram. Ou andaram para trás.
A falta de estrutura no órgão se expressa desde a falta de material de expediente – folhas para impressão, por exemplo – até a lentidão em proceder aos licenciamentos ambientais, uma crítica freqüente a pairar sobre algumas Gerências Executivas. Recentemente, no decorrer da Semana da Mata Atlântica, em Campos do Jordão (SP), ficou estabelecido que os gerentes executivos de Estados onde o bioma ocorre devem trabalhar em conjunto, inclusive na identificação de fontes de financiamento. Entre as citadas, está a possibilidade de liberação de parte dos recursos de royalties da Lei do Petróleo, que prevê a destinação de 10% para o Ministério do Meio Ambiente. "A lei existe desde 1997, mas os recursos, que já chegam a R$ 4 bilhões, ficam retidos pelo Governo na reserva de contingência para superávit primário”, disse, no evento, o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Flávio Montiel. “Queremos a liberação de pelo menos uma parte desses recursos". Ainda segundo ele, em dois anos o número de multas aplicadas aumentou em 83%, um aumento apenas quantitativo. "As multas levam em média 3 anos e 8 meses para serem pagas, quando o são. Do que é aplicado, apenas 15% chega aos cofres da União e 3% ao Ibama", afirmou.
É, portanto, contraditório que o Governo Federal se empenhe em criar novas Unidades de Conservação, sem que municie o Ibama, a quem cabe administrá-las, de condições melhores para fazê-lo. Em 2004, a Diretoria de Ecossistemas do órgão – Direc – repassou R$ 5,5 milhões a 160 UCs diretamente subordinadas a ela – todas exceto as Florestas Nacionais e as Reservas Extrativistas. Feitas as contas, dá uma média de R$ 34.375 por ano, para cada uma. A previsão para 2005 era de repassar R$ 6,5 milhões, mas isso foi antes do contingenciamento.“Realmente, os nossos recursos não atendem em plenitude ao que a gente precisaria”, admite Marcelo Françozo, coordenador de Planejamento da Diretoria de Ecossistemas do Ibama. Para piorar o problema do dinheiro pouco, ele sequer sai com regularidade. O primeiro repasse da Direc para as 160 UCs foi em 19 de abril; o segundo está seguindo agora. Felizmente, as Unidades têm algumas outras despesas – energia elétrica, telefones etc. - custeadas pela Diretoria de Administração, o que ao menos as livra de ficarem totalmente incapacitadas a cumprir seus objetivos de proteção à biodiversidade que resguardam. Para Marcelo Françozo, os problemas de ordem financeira são, no entanto, menores do que a deficiência de pessoal. “Não adianta triplicar o orçamento se não temos gente suficiente na ponta”, diz, sem muita esperança de que o próximo concurso para o Ibama possa trazer grande alento neste campo. “Temos que mudar a política de fixação do pessoal”, sugere, lembrando que é muito difícil um analista ambiental se contentar em ser lotado nos recônditos da Amazônia, ganhando exatamente a mesma coisa que um instruído a trabalhar, por exemplo, no interior do Rio de Janeiro. A tendência é que o primeiro, desmotivado e sem apoio, trate logo de mover céus e terras em busca de uma transferência que, no frigir dos ovos, é só uma questão de tempo – e de conhecer as pessoas certas.
A carência de pessoal fez inclusive surgir no órgão um neologismo jocoso – a “euquipe”. São os servidores que, sozinhos, vêem-se obrigados a dar conta de tarefas seguramente dignas de maior atenção e de outros braços unidos a concretizá-las.Com todas as imperfeições na prestação de serviços do Ibama – e deixados à parte os fiscais corruptos -, o fato é que o órgão reúne um universo bem intencionado e capaz de biólogos, engenheiros florestais e de pesca, entre outros profissionais de áreas afins, cujo trabalho só não anda com mais eficiência por causa do tradicional emperramento da máquina pública. Os interesses políticos e econômicos também contribuem para agravar um quadro que já não é cor de rosa.
Nas Unidades de Conservação, os problemas são muitos e variados.
No Maranhão, por exemplo, a chefe do Parque Nacional dos Lençóis, Érika Fernandes, empossada há dois meses, vive um desafio surpreendente: controlar o turismo totalmente desordenado na Unidade de Conservação que dirige. Ao longo dos anos, os Lençóis Maranhenses foram divulgados como um destino prioritário e sedutor naquele estado. Todas as peças publicitárias – muitas das quais integrantes de campanhas governamentais – esqueceram de informar aos visitantes as atividades permitidas e as restrições inerentes a uma UC. Por exemplo: não se pode acampar em qualquer parte. O Plano de Manejo do parque, por sua vez, foi subsidiado por estudos realizados em 2001 e 2002, anos anteriores ao asfaltamento da estrada que liga São Luis, capital do Maranhão, à cidade de Barreirinhas, a principal porta de entrada dos Lençóis. Totalmente inexeqüível, o plano prevê investimentos iniciais de R$ 42 milhões e um quadro com 84 funcionários. Saindo da ilha da fantasia para o real, o Parque sobrevive com cerca de R$ 30 mil anuais – os recursos da Diretoria de Ecossistemas - e seis servidores (cinco técnicos e uma analista ambiental, a chefe). O Plano de Manejo tampouco considerou a regularização fundiária. Não levantou o número de famílias morando no parque – mais de mil -, lá instaladas há gerações, sem título de propriedade da terra.
Desprovido de qualquer estrutura de controle de visitação, o Parna dos Lençóis chega a receber mais de seis mil turistas em um feriado. Duas centenas de empresas turísticas operam com esse destino, sem jamais terem precisado de licença ou autorização para tanto. Ao mesmo tempo, Érika Fernandes admite que é impossível simplesmente barrar esse fluxo. “Nossa proposta é fazer um ordenamento do que existe, buscando adequar o que é previsto no Plano de Manejo à realidade”, diz ela, registrando, porém, que tal missão não deve ficar circunscrita ao Ibama. "A responsabilidade é de todos".
Um primeiro passo nesse sentido foi uma oficina de três dias com os receptivos que operam nos Lençóis. Se antes dela os narizes se torciam à perspectiva de mudanças, após essa iniciativa houve o consenso de que o ordenamento seria benéfico a todos. A partir daí, proibiu-se, por exemplo, que os visitantes fossem de carro à Lagoa Azul – a atração preferida. Mesmo assim, como a propaganda nem de longe se ocupa em informar que aquela é uma área de proteção federal, continuam chegando pessoas com dificuldades de locomoção, que não querem prescindir do carro para fazer o passeio.
“O tipo de turismo praticado nessa região, de massa, é totalmente inadequado aos conceitos do ecoturismo”, resume Érika, que vê-se na incumbência de enfrentar, também, a ocupação de áreas de preservação permanente no entorno do parque – e até em seu interior, onde o “jeitinho brasileiro” viabilizou inclusive a construção de pousadas.
Para continuar só na categoria de Parque Nacional, o Saint-Hilaire/Lange, no Paraná, foi o primeiro criado pelo Congresso, como um projeto parlamentar. A lei sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em maio de 2001 previa que, no prazo de dois anos, o Ministério do Meio Ambiente teria que promover a demarcação definitiva dos limites da UC, retirando ocupações para moradias, agricultura intensiva e áreas urbanas. Isso até hoje não aconteceu.
Segundo o chefe do Saint-Hilaire/Lange, Luiz Faraco, os estudos nesse sentido estão caminhando, paralelos à proposta já de ampliação dos limites da UC, em direção ao oeste da Serra da Prata, onde fica o parque. O detalhamento da situação fundiária, contando com essa perspectiva de expansão, ensejou a busca de financiamento em outras fontes que não o Ibama, por enquanto no terreno das potencialidades.
O processo de redefinição dos limites do parque será orientado por consultas públicas, não realizadas visto que a criação da UC foi anterior à Lei do SNUC, regulamentada em 2002. “Trabalhamos a perspectiva de fazer acordos de permanência, até que se resolva a questão de regularização fundiária”, diz Faraco, que estimula a formação de um Conselho do Parque “representativo e atuante”, para a elaboração do Plano de Manejo com a proposta democrática de participação da comunidade local.
A maior parte das Unidades de Conservação federais nasce sem que, previamente, se tenha a perfeita dimensão das questões de ordem fundiária. Se o Executivo não faz sua parte prontamente, a demora abre brechas para polêmicas e insatisfações que, via de regra, sobram todas para os chefes das UCs.
Assassinato
Mas, em termos de dificuldades enfrentadas praticamente com a cara e a coragem, poucos parques nacionais se comparam ao da Serra da Capivara, no sudeste do Piauí. Criado em 79, com o objetivo de preservar vestígios arqueológicos do que seria a mais remota ocupação humana da América do Sul, há cerca de 50 mil anos, o parque figura na lista do patrimônio mundial da Unesco, desde 91. Foi ainda tombado como patrimônio nacional pelo Iphan em 1993.
Resguardando mais de 400 sítios arqueológicos de valor inimaginável, a UC nem por isso goza de grande prestígio junto ao Governo Federal. Essa ausência fez vicejar um rótulo nada meritório para a região do parque: “terra de ninguém”. “Aqui não estão nem aí para o meio ambiente”, lamenta Cristiane Buco, chefe do escritório regional do Iphan e membro da Fundação Museu do Homem Americano há mais de dez anos.
A Fundação administra o Parna Serra da Capivara junto com o Ibama, mas não dispõe sequer de um fundo fixo para fazê-lo. Os recursos vêm de projetos pontuais, numa oscilação que findou, em 2004, resultando na demissão de 60 funcionários. Parte deles foi readmitida após um patrocínio da Petrobras.
Segundo Cristiane Buco, o problema mais escabroso, porém, é o incentivo à caça. “O caçador não é punido”, diz ela. “Tem gente aqui que compra um tatu por R$ 100; tem prefeito, tem médico que faz festa com carne de caça”. Como os caçadores são muito bem relacionados, dificilmente ficam presos por muito tempo. Impunes, voltam à carga.
Essa rivalidade entre a proteção e a agressão teve um desfecho sangrento em novembro de 2001. Uma funcionária do parque, conhecida como Ducha, foi assassinada na guarita pelo irmão, caçador, em estado de completa embriaguez.
COMENTÁRIO PESSOAL:
Este tipo de artigo e relato corajoso deveria ser lido pelos políticos que providenciam a criação de Unidades de Conservação em nosso Brasil sub-desenvolvido, sem providenciar a devida verba para que o funcionamento seja executado a contento e não "pra ingles ver".

Nenhum comentário: