A partir de uma constatação do IBGE e noticiado com vigor no "blog" do Jeso Carneiro de que Santarém e redondezas não possuem uma legislação ambiental, iniciamos sem querer uma discussão ainda incipiente sobre nossos valores, nossas preocupações, nossas displicências, enfim, nossas acomodações em relação ao bem estar geral.
Lembro, quando ainda era criança e vi chegando a Santarém um impressionante exército de máquinas e pessoas para a construção da Hidroelétrica de Curuá-Una, que comentei com alguns amigos que não gostaria que o progresso viesse a levar nossa tranquilidade e fui na ocasião severamente criticado por estas declarações "abestadas". "O progresso é a nossa salvação", disseram alguns. Eu não sabia que estava, sem querer, começando a participar de um temor que dominou o mundo a partir de 1964 - a destruição da natureza - aliás acredito que este temor já vem desde o século XIX com a Revolução Industrial Moderna. Vi, também, quando chegaram as primeiras famílias do 8º BEC e o problema que causaram por não ter na cidade inteira os imóveis necessários para abrigar essa nova parcela de nossa atual população. E com isso teve início uma desordenada ocupação urbana, sem abastecimento de água, de energia elétrica e de alimentos, pelo menos.
Hoje, nossa cidade, nosso município, cresceu vertiginosamente e trouxe também os problemas decorrentes do desenvolvimento desenfreado, sem nenhuma organização: os roubos, a corrupção, a prostituição infantil, a marginalização dos excluídos e a destruição da natureza.
Os habitantes da região do Arapiuns sofreram durante anos com a extração de seixo para atender as construções locais, mas conseguiram reagir e transformar a região (RESEX ARAPIUNS - TAPAJÓS) em um paraíso ecológico novamente. As tartarugas e outros quelônios dos "tabuleiros" do Tapajós e do Trombetas que são protegidos, além da lei, pelos moradores e por alguns técnicos do IBAMA, estiveram a pique de se tornar espécimes em extinção e hoje povoam nossos rios e lagos novamente. Estes são exemplos que deram certo nestas localidades e deveremos lembrar sempre que a população residente e resistente foi o baluarte do movimento! Infelizmente, outras localidades não lograram o mesmo êxito: os garimpos do Tapajós (que jogam lama nas nossas praias outrora límpidas), os arredores da Serra Piroca (extraíram o coração dos nossos poetas), os arredores do Irurá (quem não se lembra das nossas fugas na camionete do Zeca BBC - Terceirão 70 -pra tomar caipirinha na beira do igarapé), a Vera Paz (que prazer era caminhar da frente do mercado, pela praia, até a SUDAM), o Mapiri (a luta do Nei "Bacurau" Imbiriba e outros pra evitar as bombas dos pescadores - assoreado atualmente) e tantos outros lugares de nossa infancia longínqua, hem Mirika?
Mas não adianta só ficar relembrando os bons tempos e ver nossa região sofrer impotentemente as mazelas que nos são empurradas goela abaixo, pela estupidez, pela arrogância dos políticos corruptos, pela ganância desmedida dos madeireiros, sojeiros, forasteiros e outros "eiros" que em nada contribuem para nossa economia. Inclusive os comandantes dos órgãos públicos federais, estaduais e municipais que vem para ficar sempre longe dos costumes e tentando levar vantagem em tudo e em todos.
Deveremos começar a trabalhar para transformar um crescimento econômico desmedido e incompatível com nosso meio em desenvolvimento sustentável. Não se assustem os que acham que o desenvolvimento sustentável significa voltar ao "status quo" que tinhamos há quarenta anos atrás, porque não é nada disso.
Desenvolvimento sustentável é um crescimento econômico ético, com responsabilidade ambiental e, principalmente, social, isto é, distribuição de renda. Quem quer saber de usar parte de seu lucro em preservação da paisagem que nossos filhos terão amanhã? Será que estamos preparados para isto? Mas temos que cobrar de nossos políticos, de nossos dirigentes comerciais e de nós mesmos que sejam feitas as mudanças e inovações necessárias para que o amanhã de nossos filhos seja radiante e não sombrio.
O relatório da Comissão Brundtland nos transmite "informações científicas e abalizadas sobre a hora de tomar decisões necessárias a fim de garantir os recursos para o sustento desta e das próximas gerações." E este relatório foi publicado em abril de 1987. Mas, nós, aqui da Amazonia pouco fizemos para tomar em nossas mãos as rédeas do destino do desenvolvimento sustentável.
"Vivemos uma era da história das nações em que é mais necessária do que nunca a coordenação entre a ação política e responsabilidade." (Gro Harlem Brundtland, março de 1987). Será que dá pra colocar estas palavras tão sabiamente ditas no século passado na nossa realidade atual?
Eu quero começar propondo que se faça uma grande conferência, uma não, diversas, tantas quanto forem necessárias, incluindo todos os municípios da região, as instituições de ensino, as associações de classe, as associações comunitárias, enfim, todos que tem representatividade (não nos esqueçamos que o famoso "zé povinho" tem muita representatividade) para começar a discutir a nossa legislação ambiental, isto é, a legislação que nós queremos propor.
Copiando, nas devidas proporções, os exemplos mostrados pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU e os Consórcios Municipais existentes queremos propor a partir desta conferencia, para exercitar nossa cidadania, para promover discussões, para realizar audiencias públicas para discutir as mudanças necessárias para que tenhamos crescimento economico com ética e responsabilidade na preservação do meio ambiente, que seja criada uma Comissão para tratar deste assunto tão preocupante. É possivel? É sim, "neste meio ambiente é que vivemos e desenvolvimento é o que todos fazemos ao tentar melhorar o que nos cabe neste lugar que ocupamos". (Nosso Futuro Comum, 1988).
Alguem poderia perguntar: os políticos poderiam participar? Na minha opinião sim. Todos devem participar! Todos nós temos e vivemos experiencias extremamente diferentes para relatar. Mas quando fosse percebido que sua atuação seria de promoção particular, ele seria excluído do movimento. Aliás, uma forma de inibir estas práticas promocionais seria a de que os participantes assinariam um documento público se comprometendo a não exercer as funções que tem, enquanto a discussão estivesse ocorrendo. Para evitar ciumeiras comuns e constantes de nossos prefeitos (às vezes com muita propriedade), sugiro que se faça audiências públicas todos os municipios interessados nesta ação para discutir profundamente uma legislação ambiental realizável. Não adianta encher uma legislação de baboseiras que nunca serão cumpridas.
E agora, as perguntas sem respostas.
É um movimento megalomaníaco e sem sentido?
Quantos seriam contrários a este movimento?
Onde buscar recursos financeiros para este movimento?
Quem seria a cabeça do movimento?
Quem seriam os pesquisadores que contribuiriam com este movimento?
Como fazer os empresários "devastadores" participar do movimento?
Como unir os prefeitos de nossa região em torno de um projeto tão grandioso e altruísta como esse?
Alguém tem uma idéia?
As perguntas estão colocadas e tem outras milhares antes de se começar alguma coisa.
Vamos colocar lenha nesta fogueira!
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