12 de abril de 2013

Promiscuidade entre o estado e o governo: o vórtice do mal

por Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos, no site Fórum da Construção:
Ariane Minouchkine, fundadora e diretora do Théâtre du Soleil, em um determinado momento de antiga entrevista ao jornal Folha de São Paulo, ressalvou orgulhosamente que sua companhia recebia recursos do Estado francês e não do Governo do país. Quis pontuar essa grande mulher que aí se colocava uma enorme e profunda diferença ética.

Se a atual polêmica que se trava no Brasil sobre a ética na administração pública contribuir para que se perceba que uma das principais raízes de nossos maiores males públicos está na cultural promiscuidade com que são entendidos e se relacionam no país Estado e Governo, já terá sido extremamente positiva em seus resultados educativos.

Entendidos aqui o Governo como a expressão da vontade política maior da população para, renovada e periodicamente, definir e conduzir as políticas públicas inerentes ao desenvolvimento econômico e social do país e ao bem estar da sociedade, e o Estado como o aparelhamento técnico-administrativo-gerencial permanente envolvido na gestão e execução das mais diversas atividades e serviços públicos nos campos da Saúde, do Saneamento, da Educação, dos Transportes, das Telecomunicações, da Energia/Mineração, do Meio Ambiente, da Justiça, etc.

Enfim, exemplificando para firmar conceitos, Secretaria da Saúde é Governo, Hospital das Clínicas é Estado; Ministério de Minas e Energia e Secretarias afins são Governo, Furnas, Petrobrás, CESP, CPRM, DNPM são Estado; Ministério e Secretarias de Estado dos Transportes são Governo, DNIT, DERSA e Metrô são Estado, Ministério e Secretarias do Meio Ambiente são Governo, IBAMA e CETESB são Estado. Como são Estado Sudene, Codevasf, Correios, Infraero, Dataprev, Embrapa, Eletrobrás, IPT, SABESP...

Como costume trágico e culturalmente arraigado, cada novo governo, seja em nível federal, estadual ou municipal, tem desgraçadamente todo o Estado à sua disposição para a acomodação das composições políticas e eleitorais que lhe dão sustentação.

A cada novo mandato loteiam-se e mudam-se assim todas as direções e comandos dos instrumentos de Estado, seja na administração direta, seja na indireta. Conseqüência deletéria natural é a descontinuidade de programas, de estratégias de conduta, das políticas de curto, médio e longo prazos, a desimportância para com a competência técnica interna, o descompromisso pelo zelo ético nas licitações e nas relações institucionais.

A propósito, o uso político menor do Estado brasileiro e as graves conseqüências na eficiência de sua gestão explicam em boa parte a perniciosa, e também cultural, dissociação de confiança entre Estado e Sociedade.

Operar essa “desassociação” entre Estado e Governo não será fácil, muitos a quem caberia essa tarefa sentiriam estar “cortando a própria carne”, para utilizarmos uma expressão da moda. Como em outras questões similares, somente mesmo a vontade manifesta da sociedade terá a força necessária para a mudança dos atuais costumes.

A proposta de uma legislação que bem delimitasse os espaços entre Governo e Estado poderia constituir o oportuno mote para um profundo e politizador debate da matéria.

Que nos leiam os bons legisladores.

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