O lago
do Maicá
Caros leitores, lembram da música do Beto Paixão “Saudade do
Maicá”? Pois é, vocês se recordam...Esse lago marcou a vida de nós
meninos porque foi lá que aprendemos a pilotar um bote ou uma canoa. Foi
lá que zagaiamos à luz de facho; foi lá que aprendemos sentar uma
malhadeira e nos dar com piranhas e botos; foi lá que ensaiamos as
primeiras bicadas de uma tatuzinho ou uma correinha na cuia de tirar
água da canoa... Nas noites enluaradas de verão, caminhamos de lanterna
na mão sobre relvas e espinhos de juquiri (correto?) nos alagadiços e
restingas ou mesmo nos campos ao entorno do lago. Vi, uma certa vez, o
Eduardo Serique de binóculo, caneta e um caderno observando e
catalogando os espécimes voadores, que ali são tantos e, diga-se de
passagem, não perseguidos.
Conta o meu tio Zé Silva, vaqueiro e pescador, que uma vez saiu
para pescar com o saudoso Vivico (que tinha uma taberna lá na rua dos
Artistas, freqüentada por gente como Mimi Paixão, Caim, Edil, Anastácio
Miranda, seu Mereré, lembram?). O Zé ia em pé no fogão da canoa
espreitando os peixes sobre o espelho das águas e lanceando,
lanceando...O seu Vivico, só dizia ao Zé:
- Vai jogando a
tarra...Vai jogando....
O Zé Silva,precisava fazer uma pausa para se recuperar do seu
cansaço e o Vivico, só dizia: - Vai jogando Zé...Vai jogando Zé...
O pescador pensou com os seus botões: tenho que arrumar um jeito
de ganhar um tempinho...pensou, pensou..., finalmente disse:
- Vivico me empresta teu
fósforo. Vou fazer e acender um porronca...
- Não Zé, te dou um
cigarro do meu já aceso. Toma-o, vai tarrafiando..
Bem, o Zé não levou sorte desta vez. Continuou a tarrafiar,
embora precisasse e logo de um descanso. Pensou mais uma vez e encontrou
nova saída. Quer ver?
- Vivico, vamos encostar a
canoa logo ali naquela ilha – apontou seu indicador na direção de uma
ilhota verdejante – e vamos merender um destes peixes assado. Legal?
- Não Zé, não é preciso.
Eu trouxe de casa uma sardinha (em lata) frita com ovo e farinha. Toma
uma prova.
É não teve jeito...Zé garantiu que pescaria com o Vivi nunca
mais!
Bem gente, o lago do Maicá fica praticamente num bairro de
Santarém, de mesmo nome. É um santuário natural onde se vê, a um passo
da cidade: lindo lago de águas claras ou turvas, dependendo do regime
das águas. Se a maré tiver para o Tapajós, suas águas ficam claras, se,
porém, tiver para o Amazonas, as águas se tornam barrentas. Entenderam?
Lá se vê bandos de curicacas, marrecas, ananaís e mergulhões, saboreando
suas iguarias em toda a extensão que dá para o lago da fazendo do meu
tio Bianor Carneiro (o Tico). Na parte do sítio que fica por trás da sua
casa de campo, localiza-se um bosque de altas e velhas árvores
amazônicas, de troncos grossos e retorcidos. Nos seus galhos mais altos
vemos enormes espécimes de gaviões que ali fazem seus ninhos sem a
interferência indesejada de humanos predadores.
Eu sou testemunha. Meu tio Bianor enfrenta um entrevero tenaz
com predadores humanos que tentam e até cortam suas cercas de arame, pra
praticar suas agressões contra a natureza (plantas e animais). Ele
mantém preservada, a duras penas, uma faixa de terra arborizada
(floresta natural) num cinturão de aproximadamente trezentos metros de
frente (a partir da encosta do lago) por oitocentos a mil metros de
fundo. Meu tio já procurou o Ibama e outros órgãos governamentais que
“protegem” a natureza, pelo menos para que deixassem afixar um Outdoor
com os dizeres “área de preservação ecológica”, mas em vão. Tais
Instituições não assinam em baixo. Acima de tudo esbarra-se com a
burocracia, com o não, não, não... e o desinteresse sintomático de
todos...
Sempre presenciei barcos de agências de turismo adentrando tais
águas para o deleite dos turistas, entretanto, haverá o dia em que tudo
aquilo tornar-se-á um imenso bolsão de pobreza: barracos de invasão,
lixo e degradação. Deus nos livre desta predição, ainda queremos o ar,
os rios, as árvores em plena alegria, vibrando ao vento, e
enternecendo-se com o livre voar dos passarinhos...e uma música “Ai que
saudade do Maicá, á, á. Ai, ai que vontade de lá voltar!”
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