23 de fevereiro de 2010

Paulo Paixão: Meus ícones santarenos, Mimi Paixão e mestre Isoca Fonseca

Quero tecer alguns comentários dos meus ídolos da música santarena e justificar por que os admiro tanto a ponto de considerá-los meus ídolos.

Sobre o professor Isoca (era conhecido na cidade por professor Isoca) quero dizer apenas como o vi e o vejo, sem adentrar em considerações técnicas meramente de natureza biográficas. Quero contar dos meus sentimentos, das minhas experiências pessoais. Pois bem, o conheci através do meu Pai, o saxofonista Mimi Paixão, seu considerado afilhado. Papai sempre se reportou ao professor com muito respeito, não só pelo fato de ser seu padrinho, mas, e muito mais, por ser um cidadão exemplar, religioso e um músico e compositor por excelência.

O primeiro contato presencial que tive com o professor foi quando papai o pediu que me desse algumas orientações musicais para instrumentista iniciante, já que me aventurara a aprender tocar trompete (tinha treze anos). Vale sublinhar que o meu primeiro professor (iniciei aprendendo a tocar piano) foi o mestre Barbosa, um pacífico e educado senhor que mantinha uma escola de música em sua casa na Av. Mendonça Furtado quase esquina com a Barão. Não tive mais notícias do professor Barbosa, no entanto, desejo, sinceramente, que continue usufruindo boa saúde e atinja a longevidade máxima que pessoas da sua estirpe sempre alcançam neste mundo. Continuando, fui à casa do professor Isoca e ele me recebeu com toda aquela solicitude e humildade que sempre lhe foram peculiar. Fez-me executar o trompete e observou com muita atenção minha postura, meu sopro, etc. Em seguida corrigiu meus vícios posturais e falou muito bem do meu sopro, o que me deixou muito contente.

Mostrou-me, ao piano, algumas composições de sua autoria, que instigaram meu deleite espiritual e falou muito bem do meu pai como saxofonista e pessoa maravilhosa que era.

Algumas vezes o vi sentado manuseando papéis sobre sua escrivaninha na Agência do Banco do Brasil que existia lá na rua central, Av. Lameira Bittencourt (correto?). Trajava uma camisa manga-comprida branca e gravata escura. Imaginava: como fazia para conciliar a música (tocar e fazer composições musicais) com a profissão de bancário, já que essa profissão, até hoje, exige dedicação exclusiva e, diga-se de passagem, acarreta uma estafa física e psicológica muito acentuada a tais profissionais.

Na década de oitenta, por incentivo do meu colega de trabalho, o Rochinha, aliás, por sua exclusiva iniciativa, foram publicadas nos jornais locais (santarenos) algumas poesias de minha autoria. Para minha surpresa, num belo dia, o professor Isoca compareceu à agência do banco em que eu trabalhava e foi direto à minha mesa de trabalho e participou-me que colecionava minhas poesias divulgadas, visando remetê-las à Academia Paraense de Letras para concorrer à publicação numa antologia poética que reuniria as obras selecionadas de vários poetas paraenses. Não deu outra, minhas criações foram selecionadas e este feito devo à grandiosidade daquele homem que teve a sensibilidade de descobrir novos talentos, objetivando, obviamente, engrandecer a cultura santarena.

Devo registrar, também, que, posteriormente, não muito antes do seu falecimento, procurei-o com o intuito de que prefaciasse o meu primeiro livro de poesia intitulado “Poesias de beira de rio”. Na ocasião estava residindo no apartamento de uma sua filha médica, na avenida Magalhães Barata, São Brás em Belém. Recebeu-me com alegria e prontificou-se a me atender, apesar da sua saúde debilitada. Fê-lo numa folha de papel batido (o prefácio) a máquina de escrever e o assinou. Fui ao seu encontro, recebi o texto e o agradeci efusivamente.
Chegando em casa, guardei-o, tenho certeza, entre as páginas de um livro, principalmente porque não queria machucá-lo, aguardando o dia da sua edição. Esse dia chegou, porém, para o meu desespero não consegui encontrá-lo. Fiquei apavorado. Vasculhei todos os meus livros (que não eram poucos) e outros locais possíveis de se guardar documento tão precioso. Definitivamente não o encontrei...e essa desilusão carrego comigo sempre. Não me perdôo de tamanho descuido. Não há dúvida, trata-se de uma perda irreparável e imperdoável!

Meu pai foi um instrumentista de primeira linha. Iniciou seus estudos musicais na década de quarenta e foi aluno do frade alemão, o tão idolatrado Frei Ambrósio. Iniciou tocando flauta e ainda o vi executando algumas valsas (ex. Saudade de Pádua) em tons melodiosos, através de sua flauta transversal. No entanto, foi com o sax-alto que emplacou. Tocou na orquestra de base familiar “os Mocorongos”, posteriormente “The Clevers”. Finalmente, junto com os seus irmãos, o tio Adalgiso no bombardino (e trombone) e tio Calistro no prato ou bumbo, integrou a Banda Municipal de Santarém, sob a coordenação e regência do ilustre professor Isoca Fonseca, que nos seus impedimentos era substituído pelos, também, ilustres, tio Adalgizo Paixão e Sebastião Sirotheau.

Mimi Paixão fora um músico completo. Além de tocar com maestria, vivia a música, tinha um sopro educado e criava floreados fascinantes e era um boêmio que tocava em serestas e nos passeios de barco sobre o rio Tapajós. Junto com o meu tio Adalgizo (no bombardino) faziam primeira e segunda voz (como se um perguntasse e outro respondesse) numa harmoniosa entrosarão. Papai tinha uma postura de palco simplesmente exemplar: bem vestido, fazia movimentação corporal conforme o ritmo da música; descia do palco (ao som de uma valsa ou bolero) e adentrava no salão tocando suavemente junto aos casais apaixonados. Assim o viu o poeta:

Meu pai era músico.
Tocava saxofone...
Sempre elegante, descia.
O palco e juntava-se aos
Pares dançantes...
Sopro suave, enternecia
Os loucos amantes...

Dava um show à parte,
Balançando-se e dando vida
Ao seu sax-alto...
A exemplo de “cantando na chuva”
Que o superstar dançou
No asfalto!


Entenderam a razão de tê-los em tão alta estima?
Imagino que tanto meu pai, O Mimi Paixão e tio Adalgizo, quanto o inesquecível mestre Isoca continuam vivendo e suspirando música, integrando a “sinfônica das sinfônicas” numa interação perfeita lá no além onde os anjos são seus “backing vocal” e os santos, seus espectadores!

Paulo Paixão

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