11 de janeiro de 2010

Beija-flor

Dirigia a uma velocidade de oitenta quilômetros (por hora). O trânsito como sempre, caótico, nervoso, barulhento. Na sua cabeça a adrenalina instigava-o a pensar em ultrapassagem e xingamento a motorista barbeiro, irresponsável ou ousado. Seus terminais nervosos repuxavam as pontas dos seus dedos das mãos, dando-lhe aquela conhecida sensação de ansiedade e medo à deflagração de um AVC.  
                                                   - Droga, que trânsito dos infernos! Desta forma vou chegar atrasado para a reunião! (pensa num istmo de segundos).
                                                   Em questão de décimo de segundos, lança um olhar involuntário na copa da mata que margeia a avenida e divisa um ponto negro sobre um galho seco de uma árvore. Sem refletir volta o olhar à mencionada imagem e agora, sim, vê um passarinho que bem poderia ser um beija-flor sentado lá no último galho seco da árvore, balançando-se aos beijos dos ventos, com suas asinhas e penas acenando para o além...De repente dá-se conta de que ainda é gente! Dá-se conta do que perdeu ao longo dos anos, - por ter saído do interior para aventurar-se na capital, aderindo à batalha diária do trânsito desenfreado, suicida, caótico, estressante ou mesmo à corrida louca estonteante, mecanicista, enganosa da vida moderna nas metrópoles do planeta, mormente quando a disputa envolve trabalho, posição social, uma guerra sangrenta e bárbara por tudo o que não é humano, bonito ou altruístico, - tudo que no passado considerava como de mais elevado valor no ser humano.
                                                   Dá-se conta de que não mais tem tempo para ler um livro de poesia; de ver um crepúsculo dourado sentado no degrau de uma ponte que avança sobre o rio; de ver as pessoas caminhando pelas ruas no vaivém de vidas, sonhos e esperanças. Bem que gostaria de olhar as pessoas como pessoas que realmente o são. Quando não era um doutor ou tecnocrata via as pessoas de igual pra igual, ou seja, sentia-se um Paulo, um Antônio entre tantos outros nomes não menos humanos, bem-apessoados...Pergunta-se: “que foi que houve comigo meu Deus? Não escuto mais um fado de Cesária Évora ou um xote dolente de Luis Gonzaga, ou melhor, perderam em mim o seu fascínio? As pessoas são para mim apenas um possível cliente, um sonegador, um concorrente, um a mais entre os demais?”
                                                   Tais pensamentos, daí pra frente, tornaram-se um martírio na sua cabeça. Quando se via sentado em uma mesa de escritório envolto de papéis, tratados, tela de computador, telefonemas, cafezinhos, bajulações, falsidades, medos, apreensões, nervosismos... lembrava-se, de imediato, do passarinho ondulando com suas asinhas e penachos revoltos  no galho seco da árvore deleitando-se aos beijos dos ventos, atento à vida, mas calmo e sossegado, como as águas mansas de um lago amazônico. Todavia, eis que se lembra de algo muito apropriado para o momento angustiante que vivia. Lembrou-se que não está distante o tempo de aposentar-se. Pensou: “ah, vou me aposentar daqui a dois anos e então poderei voltar a me sentir verdadeiramente humano, pessoa como o fora no passado... Vou mergulhar de manhã cedo no rio Tapajós ou tomar banho de igarapé com cheiro de pataqueira! Vou tomar umas e outras no Mascotinho às sexta-feira e aos domingos assistir uma missa na igreja de São Sebastião. Às tardes vou bater uma pelada na praia da Vila Arigó e à noite, bater um papo lá na pracinha com o parceiro Odilson Matos, o Marreta, o Rui Saraiva “Presença”  ou o delegado Luis Paixão, para rirmos à vontade e mexer (disfarçadamente) com uma bela morena Oiaporanga do Çairé, não esquecendo de se dar uma passada na praça da matriz e tomar um gelado caldo de cana na garapeira do Cacheado, dando uma bela entrevista lúdica ao meu amigo Bena Santana.”


                                                        E assim pensando relaxou visivelmente todo o tempo que antecedeu ao início de sua aposentadoria, porém, nunca se esqueceu, quando existia e das vezes que podia de olhar um beija-flor sentado sobre um galho seco mesmo que fosse a oitenta por hora numa pobre aléia da Capital.


Paulo Paixão




Nenhum comentário: