Matéria de Fiona Harvey, no Financial Times.
Um espelho gigante vaga lentamente pelo espaço entre a superfície da Terra e o Sol, interceptando os raios solares antes de atingirem a Terra e refletindo-os para longe com segurança.
O espelho, feito de milhões de chips de silício, situa-se em um ponto do espaço onde a gravidade da Terra e do Sol se cancelam. Com o tempo, a vasta estrutura, construída trabalhosamente por anos por espaçonaves, vaga naturalmente para longe de seu ponto de partida, mas sistemas complexos a bordo a fazem voltar gradualmente para onde exerça seu papel vital de nos manter seguros.
Esse espelho espacial, até agora, é ficção científica. Tal estrutura teria custado centenas de bilhões de dólares, se fosse tecnicamente possível. Contudo, muitos cientistas dizem que logo precisaremos começar a construir espelhos espaciais, criar nuvens artificiais ou alterar a química do oceano para impedir os piores efeitos do aquecimento global.
A mudança climática está ocorrendo mais rapidamente do que previsto, e os riscos estão crescendo diariamente. Muitos cientistas acreditam que alterar os sistemas da Terra para ajudar a esfriar o planeta em breve talvez seja a única opção, enquanto nosso apetite desenfreado por combustíveis fósseis superam nossas boas intenções em deter as emissões.
“As chances de reduzir as emissões de forma suficientemente rápida agora são muito baixas. Esta é uma ótima razão para procurar alternativas. É uma política de segurança”, disse Stephen Salter, professor de engenharia da Universidade de Edimburgo.
A ciência que altera os sistemas naturais do mundo é chamada de geoengenharia, uma área que já foi marginal na pesquisa científica e rapidamente está se tornando central, atraindo séria atenção da academia e dos governos.
John Holdren, principal assessor científico do presidente dos EUA, Barack Obama, disse em público há poucas semanas: “Tem que ser pensado… não temos o luxo de eliminar qualquer abordagem”.
O debate foi intensificado por uma série de estudos publicados na semana passada na revista “Nature”. Eles concluíram que o mundo tinha poucas chances de deter os aumentos de temperatura em 2ºC -nível amplamente reconhecido pelos cientistas como limite de segurança, para além do qual a mudança climática se torna irreversível e potencialmente catastrófica. Tal nível de aquecimento arrisca levar ao derretimento, por exemplo, da camada de gelo permanente da Sibéria, liberando quantidades enormes de metano, causando um aquecimento ainda mais forte e rápido.
A maior parte das sugestões de geoengenharia recai em uma de três categorias. As mais absurdas propõem bloquear os raios solares usando meios mecânicos -um espelho ou um anteparo como um guarda-sol, por exemplo. Esses seriam enormemente caros, se possíveis.
Algumas das propostas mais promissoras envolvem formas de aumentar a capacidade da Terra de refletir os raios solares de volta para o espaço. Partículas de enxofre lançadas na estratosfera poderiam refletir suficiente luz para fazer uma diferença mensurável. Há um problema: o enxofre provoca chuva ácida. Os proponentes desse método salientam que muito menos enxofre seria necessário do que aquele que chove das sujas usinas de energia, mas ainda assim haverá objeções.
Um método mais barato e menos controverso seria borrifar a água do mar a partir de navios. Isso criaria nuvens de gotículas minúsculas, que refletiriam mais a luz. Salter diz que uma desvantagem seria que, além de refletir a luz do sol, as nuvens segurariam o calor infravermelho na Terra.
Entretanto, o professor diz que a vantagem seria enorme -cada gotícula refletiria 20 bilhões de vezes a quantidade de energia usada para criá-la. Ele estima que uma frota de cerca de 500 navios seria necessária, ao custo de 1 milhão de libras (cerca de R$ 3 milhões) cada.
Os pesquisadores também estão explorando a remoção do carbono da atmosfera. Uma forma é fertilizar os oceanos com ferro, para que o plâncton cresça e absorva o carbono. Menos realista são enormes “varredores” de ar -velas cobertas de substâncias químicas que reagem com o CO2. Dois problemas que não foram resolvidos neste método são o conhecimento da absorção química e a quantidade de energia enorme que seria necessária para impulsionar vastos volumes de ar.
O uso da geoengenharia não eliminaria a necessidade de profundos cortes de emissões, advertiu Salter: “Ninguém na geoengenharia defende isso. Achamos muito importante reduzir as emissões”. Os dois devem ser perseguidos ao mesmo tempo, ou as emissões crescentes anulariam os benefícios dos projetos de alteração da Terra.
Tim Lenton, professor de ciência do sistema da Terra da Universidade de East Anglia, que conduziu uma análise dos métodos de geoengenharia, disse que os cientistas devem tomar cuidado com “alterações em um sistema que não se compreende plenamente”. Por exemplo, disse ele, os estudos mostraram que colocar aerossóis de enxofre na atmosfera levaria a um ressecamento em regiões vulneráveis como Sahel e a Índia.
Tradução: Deborah Weinberg
Matéria do Financial Times, no UOL Notícias.
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