24 de maio de 2008

Crônica de uma morte anunciada

Debates Ambientais do Faça a sua parte:

Por Ricardo Ribeiro

O feio não tem vez.


Neste país de estéticas importadas, onde todos sabem o que é e o que come um coala, mas ninguém sequer ouviu falar na cuíca - a não ser como instrumento de carnaval; no qual seus infantes ainda desenham "natureza" com graminha aparada, uma casinha, uma árvore de tronco liso e reto, um jardim florido, elefantes, ursos e gatinhos; Onde seus habitantes entendem Meio ambiente como um lugar "sem nada", a ser ocupado com "alguma coisa".

Neste contexto, o que será do nosso seco, torto e feio cerrado?

Esta é a paisagem mais característica deste ambiente: árvores pequenas de troncos ásperos e tortos devido à presença de alumínio no solo; Ambundante vegetação gramínea e arbustiva, que grande parte do ano permanece ressecada pela ausência de chuvas característica do clima da região; solo vermelho-amarelado quase sempre exposto e poerento, alternando com emaranhados de arbustos espinhosos quase intransponiveis.

A primeira vista, nada elegante.

Ou seja: é realmente mato! Foi assim que os primeiros habitantes europeus o chamavam: Mato sujo ou campo sujo, que depois passou parra campos cerrados e mata cerrada. Isso explica por que o estado de Mato Grosso Chama-se "mato grosso"!

O Cerrado é ambundante como a Amazônia, mas destruído como a Mata Atlântica; Foi incluído recentemente no rol dos ecossistemas de maior biodiversidade do planeta. E ainda assim é o espaço vazio para onde se expandiu a nossa pecuária e mais recentemente - nos últimos dois séculos - a agricultura.


Mas voltando ao assunto: O fato de o cerrado não o mesmo apelo ambiental de outros tipos de vegetação faz com ele seja destruído descriminadamente. E, por incrível que possa parecer, ele naturalmente já fazia isso com ele mesmo...

Uma das mais controversas características desse ambiente é a ocorrência natural do fogo como um dos fatores mais importantes desse processo de regeneração. muitas sementes e plantas só se desenvolvem depois que o fogo queima suas grossas cascas e o solo é "adubado" com os sais minerais remanescentes nas cinzas. Isso quer dizer que há um cilco natural de fogo, assim como há um ciclo natural de chuva. Com esse pressuposto, como pode ele sobreviver?

Segundo alguns especialistas, deixando como está. Com intenso processo regenerativo, apenas parando com a destruição já seria possível ter um retorno de até 80% da vegetação. Possui uma curiosidade, um processo bem interessante e fácil de se verificar.

Querem ver? É só deixar o terreno vazio sem cortador de grama por uns...15 anos. Inicialmente, o primeiro "mato" represetado pelas gramíneas cresce até atingir mais ou menos meio metro e frutifica - isso mesmo! - nos vulgarmente conhecidos "carrapichos" que prendem nas nossas roupas e nos pêlos dos animais ou são levados pelo vento; a grama se multiplica e cresce, criando uma região de humidade entre o solo e a vegetação favorecendo o desenvolvimento do segundo "mato": as plantas arbustivas. A maioria absoluta de todos os chás, remédios e temperos do mundo inteiro vem desse "mato" (também chamado de erva daninha, é aquele que, mais adaptado à região, ocupa e elimina nosso jardim florido...). Por sua vez, os arbustos fazem sombra abaixo, o que impede o crescimento da grama. o solo exposto favorece o crescimento do terceiro tipo de mato: a vegetação arbórea, que cresce e ocupa alguns dos espaços. E todo essa mato estava apenas "adormecido" ou dormente, esperando as condições certas para acordar...

Esse é o processo que chamamos de sucessão ecológica, no qual o cerrado é craque.

Esse seria o quintal observado por matogrossenses, goianos, brasilienses, mineiros, baianos do sul e paulistas do noroeste. Infelizmente, cada vez mais amazoninos estão presenciando esse efeito (com as mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento do globo somado ao desmatamento intensivo, muitas regiões de floresta amazônica estão se transformando em cerrado...).

E isso seria possível se pudéssemos considerá-lo como o vemos - feio, torto e sujo - e, ao valorizarmos a cultura nacional transformá-lo como realmente é - com a beleza dos Ipês, quaresmeiras, e guapuruvus floridos, uns no início, outros no final da época das chuvas.

E se parássemos de vê-lo como lugar vazio, pronto para o desenvolvimento energético e alimentício do país.

Esse é o desafio.

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