26 de março de 2006

Quer entender a questão do Irurá?

Na coluna de Ércio Bemerguy, publicada em O Estado do Tapajós podemos visualizar como é o "imbroglio" do Anel Rodoviário em Santarém:

Irurá e viaduto

Sabe-se que algumas ONGs e o Instituto dos Mananciais da Amazônia ingressaram, recentemente, no Fórum da Comarca de Santarém, com uma ação cautelar contra a prefeitura do Município e a Construtora Melo de Azevedo, acusadas de estarem executando obras que estão causando danos irreversíveis aos mananciais que alimentam o Igarapé Irurá. Pedem, inclusive, a paralisação imediata dos serviços de construção do Viaduto.
Para que não pareça que somente agora surgiram entidades e pessoas em defesa dessa causa, resolvi consultar os meus arquivos e revelar, com base nos documentos que possuo, as inúmeras tentativas que foram feitas no sentido de impedir que o poder público municipal, à época comandado pelo prefeito Lira Maia, construísse o Anel Rodoviário. Trata-se de um principiar esquecido, sumido da memória de uns tantos e desconhecido, talvez, de grande parte daqueles que hoje decidiram colocar pra fora os seus sentimentos, as suas preocupações de cunho ambientalista e se tornar ecologistas ferrenhos, amantes da Natureza. Julgo importante, portanto, relatar, aqui, um pouco de tudo que já foi feito, esperando que essas informações possam, de alguma forma, contribuir para a solução definitiva de tão grave problema.
Irurá e Viaduto (II)
Em 16 de julho de 2002, subscrito por Tibério Alloggio (CEAPS/Saúde e Alegria); Glez Rodrigues Freitas (Grupo de Defesa da Amazônia); Maria do Carmo Azevedo (Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia); Sérgio Campos (Cosanpa) e Benedita Fonseca de Souza (Sindicato dos Urbanitários), foi formalizado pedido de providências à Procuradora Geral da República, Solange Braga, no sentido de que fosse verificada a existência ou não de estudo prévio dos impactos ambientais referentes à área de preservação, local onde estava sendo construído o Viaduto.
Irurá e Viaduto (III)
No dia 14 de agosto de 2002, o Ministério Público Federal apresentou Ação Civil Pública, subscrita por cinco ilustres Procuradores - José Augusto Torres Potiguar, Ubiratan Cazetta, Felício Pontes Júnior, Solange Maria Braga e André Luiz de Menezes -, contra o Município de Santarém, Construtora Mello de Azevedo Ltda, Departamento Nacional de Infra-Estrutura (DNIT), União Federal e Estado do Pará, objetivando, basicamente, impedir a execução da obra denominada “Anel Rodoviário de Santarém”.
Entre outras, o MPF apresentou, no pedido, estas alegações:
a) O planejamento irracional das atividades até então desenvolvidas pelo Município de Santarém resultaram em prejuízos incalculáveis, que podem abranger até a condenação do sistema de água potável, uma vez que já existe a real possibilidade dos lençóis freáticos estarem contaminados pela água do igarapé Irurá;
b) Neste calamitoso contexto insere-se como agravante a realização de mais uma “dádiva” da atual administração municipal, pioneira em obras faraônicas, e habituada à omissão quanto às necessidades básicas da população. O Anel Rodoviário está projetado sobre a área de captação de água pertencente à Cosanpa. Sem embargo, o Município não fez constar no procedimento de licenciamento nenhum estudo de viabilidade de exploração da área ou de impacto ambiental, de forma a ignorar a delicada e preocupante situação do Irurá.
c) Dentre as atividades previstas do empreendimento estão: a duplicação da Rodovia Fernando Guilhon, que passa ao lado do igarapé; construção, pavimentação e asfaltamento de via projetada para circundar o lago, passando também por área pertencente à Cosanpa; construção de elevado no cruzamento da Rodovia BR-163 com a Fernando Guilhon, em cuja confluência está localizada área de preservação permanente circunvizinha ao igarapé.
d) Verifica-se até o momento práticas de desmatamento da área próxima ao igarapé. Ademais, constam informações sobre aterramento e terraplanagem, tudo sem qualquer estudo acerca do perigo de suspensão do fornecimento de água ou sua contaminação;
Irurá e Viaduto (IV)
Em 26 de agosto de 2002, o Juiz Federal, Nelson Loureiro dos Santos, da 2ª Vara da Seção Judiciária de Santarém, decidiu deferir parcialmente a ação proposta pelo MPF, determinando:
a) que o Município de Santarém paralisasse as obras do “Anel Viário” até o final julgamento da demanda;
b) que o DNIT não repassasse nenhuma nova parcela dos recursos destinados à execução da obra;
c) que o Estado do Pará, através de sua Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente, suspendesse o processo de licenciamento da obra;
d) que o Município de Santarém não repassasse qualquer novo valor à Construtora Mello de Azevedo Ltda, relativo à aludida obra.
Em sua decisão, o ilustre julgador ressaltou: “Ninguém em sã consciência poderia pôr-se contrário ao progresso dessa maravilhosa região do País. Aliás, é muito bom mesmo que Santarém experimente desenvolvimento acentuado, como os atuais horizontes indicam, até para que se minimizem as mazelas sociais existentes - comuns a todo território nacional - , através do oferecimento de mais empregos aos habitantes, além de a própria maior movimentação financeira permitir melhores arrecadações tributárias ao Município, de molde a propiciar, aos administradores locais, incremento na alocação de investimentos tão necessários em obras de infra-estrutura”. E disse, ainda, o juiz Nelson: “Só que o propalado progresso não pode vir acompanhado de desordenada destruição ambiental. Necessita-se, como demonstrado na peça inicial pelo Parquet Federal, ter um completo controle da situação ambiental envolvida nos projetos de desenvolvimento urbano, através da adoção de medidas preventivas estabelecidas pelo legislador. O objetivo dessas medidas, é bom que se repita, ao invés de representar entraves ao desejado desenvolvimento municipal, indicam, isto sim, clara preocupação com a preservação das riquezas ambientais, eis que, de conformidade com o caput do art. 225 da Constituição Federal, "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".
Irurá e Viaduto (V)
Em 26 de agosto de 2002, a Prefeitura Municipal de Santarém, representada pelo prefeito Joaquim de Lira Maia e por seus procuradores, advogados José Olivar de Azevedo e Jeferson Lima Brito, formalizaram ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, pedido de cassação da liminar concedida pelo juiz Nelson Loureiro dos Santos, afirmando que:
a) o Município de Santarém, visando melhorar o fluxo de veículos que circulam na Avenida Santarém/Cuiabá, bem como na Rodovia Fernando Guilhon, onde existe um trevo onde ocorrem os mais diversos tipos de acidentes, implementou gestões junto ao Ministério dos Transportes para conseguir verba a fim de que fosse construído naquele cruzamento, um viaduto que permitiria o melhor escoamento do trânsito;
b) no ano de 2001 a Prefeitura conseguiu alocar, no orçamento da União, os recursos necessários para a referida obra e cuja primeira liberação ocorreu em 2002;
c) através dos meios de comunicação foi publicado edital de concorrência pública, na forma da lei, uma vez que a obra seria executada com repasses federais, no total de R$-5.831.337,82;
d) a Prefeitura solicitou da Sectam/Pa a Licença Inicial (LI) para permitir o início das obras;
e) não obstante todas essas iniciativas destinadas à efetivação do projeto, nenhum órgão, seja público ou privado, fez qualquer indagação a respeito de eventuais danos ao meio ambiente decorrente da construção do viaduto;
f) aforada a ação proposta pelo MPF, da Prefeitura foi exigida a prestação de informações, o que foi feito em tempo hábil, e, ao mesmo tempo, defendendo a continuidade da obra em virtude da ausência de pressupostos danosos ao meio ambiente, como aliás consta do laudo emitido pelo IBAMA.
Irurá e Viaduto (VI)
Em 02 de setembro de 2002, o Desembargador Federal, Catão Alves, presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, deferiu o pedido (da Prefeitura de Santarém) de suspensão dos efeitos da liminar concedida nos autos da Ação Civil Pública nº 2002.39.02.00742-8/PA pelo juiz da Vara Federal de Santarém, uma vez que, segundo ele, “Além de não haver indícios de que a execução da obra, que já se encontra em estágio adiantado, causará qualquer dano ao meio ambiente, a sua paralisação acarretará grave lesão à ordem porque o Anel Rodoviário está localizado num dos pontos mais críticos da malha viária urbana estruturadora de Santarém, e que atualmente funciona em condições precárias e sem sinalização e dispositivos de segurança aos motoristas e pedestres. - Presentes, também, a grave lesão à economia pública, não, apenas, pelos gastos já efetuados, mas, também, porque, com a implantação da obra, seja pela melhoria das condições de escoamento de produções agropecuárias e industriais, seja pela melhor acessibilidade às áreas de interesse turístico.” E concluiu: “Pelo exposto, convencido de que a decisão está apta a causar grave lesão à ordem e a economia públicas, defiro o pedido formulado.” Ciente desta decisão, a Prefeitura de Santarém imediatamente autorizou a Construtora Mello de Azevedo dar prosseguimento à obra.
Demonstra tanto no pedido dos advogados da prefeitura como na liminar concedida para a continuidade da obra um profundo dilema entre o planejamento, a política/justiça ambiental e a desmedida ambição de poder e fundos financeiros dos gestores.
Tivesse sido preparado uma equilibrada política ambiental urbana, um programa de utilização do espaço urbano e plano racional de uso do bem público pelo município teria sido definida uma avaliação de impacto ambiental prévia à este monstrengo.
Só me cabe refletir que deve haver um interesse financeiro muito grande tanto por parte da administração anterior como da atual administração municipal para autorizar esta obra sem um devido estudo do impacto ambiental ocorrente nos arredores do anel.

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