16 de fevereiro de 2010

De Paulo Paixão: Tempos bons que não voltam mais



                                                 “Viver para contar” é o título de um dos famosos livros do eminente escritor latino Gabriel Garcia Márquez (prêmio Nobel da literatura). Contar as experiências vividas, via de regra, é o que os idosos fazem com prazer, aliás, e com sabedoria, pois, são elas que mantém a tradição, a memória e toda bagagem do aprendizado dos homens ao longo dos tempos, além disto, sustentam a evolução do ser e do saber humano.
                                                 Filosofia a parte, ando revivendo meus tempos de menino ou adolescente todos vividos na minha cidade natal, Santarém, “a pérola do Tapajós”. O meu mundo compreendia a casa de morada de poucos cômodos, assoalhada e coberta com cavaco, encravada num quintal grande, cheio de fruteiras e ligados a outros quintais através de cercas de estacas de madeira sempre esburacadas para, nós meninos, explorarmos os terreiros vizinhos à procura de manga, goiaba ou azeitona. Não escondo que balávamos passarinhos e calangos, aventura infantil esta, na atualidade, inteiramente reprovável (na avaliação de qualquer menino), mas que naquele tempo, para nós meninos, tinha a mesma graça que empinar ou correr atrás de uma pipa serrada.
                                                 O nosso campo de futebol poderia ser na rua. Particularmente, tínhamos um campo no nosso quintal com trave e tudo. Jogávamos bola todas as tardinhas e tínhamos o nosso timinho. Nas noites enluaradas, quando a noite se fazia dia, jogávamos bola na praia em frente à cidade. Após o jogo, que poderia ser lá pras dez da noite, tomávamos banho no rio na maior alegria e gritaria. Nossos pais não sabiam desse pormenor ou o sabiam, mas, escondiam ou fingiam não ter conhecimento de tal travessura, pois, futebol sempre foi futebol, ademais, eles mesmo podem tê-lo feito na sua adolescência na mesma situação.
                                                 Nas noites de luar, quando não íamos pra praia jogar bola, reuníamo-nos, também, com as meninas da rua e brincávamos de roda, pira, adivinhações. Aqui e acolá havia sempre um namorico, mas, nada que escandalizasse as beatas. As ninfetas eram respeitadas, o máximo que almejávamos delas era um beijo lábio-a-lábio. Além disto, quando já mais velhos, papai nos levava (eu e meu irmão Luis) para a ponte da CIESA ou direto da praia para pescarmos de linha com iscas de minhoca ou pão. Pesca de tarrafa só muito mais tarde no lago do Maicá ou outras localidades de várzeas nas épocas de verão.         
                                                 Fizemos a primeira-comunhão na igreja da Matriz e aprendemos a tomar benção dos padres franciscanos que passavam pelas ruas de lambreta, vestidos com batina marrom-escura. Lembro-me bem do Frei Nestor, Frei Vianei, Frei Ricardo, Dom Tiago. Gritávamos:
- A benção Padre!
- Deus te abençoe filho!
                                                 Nos domingos pela manhã íamos à missa na igreja de São Sebastião e se não me engano, as terça-feira, à novena. Éramos, todos, contritos com Deus e mantínhamos atualizadas nossas obrigações religiosas, tais como confessar, comungar, rezar, participar das procissões de santos e santas, ler a bíblia e o catecismo. Gostava muito das festividades das igrejas, que homenageavam seus padroeiros como São Sebastião, Nossa Senhora da Conceição, Santana, Fátima, com sermões campais, procissões e atos devocionais dos pagadores de promessa. Os arraiais tinham os seus encantos à parte: haviam passeios nas praças de roupa nova, paquerando lindas adolescentes que trajavam vestidos floridos, com suaves decotes e barra logo acima do joelho. Usavam passadeiras, sobre os cabelos de cor natural, um pouco de batom nos lábios, rouge nas maçãs do rosto e mantinham aquele olhar altivo, sorriso de Mona Lisa e atitudes recatadas. 
                                                 Naquele tempo já tinha Alter do Chão, com toda a sua magia, todavia, as praias da frente da cidade...eram lindas..., também. Tinha a praia da Pracinha, Prefeitura, Prainha, etc. Foram praias muito concorridas. Com banho-de-sol, vendinhas, passeios, jogo de bola, bebericagem, um violão, enfim, uma Copacabana amazônica. Havia as incursões ao igarapé do Irurá. Lembro-me que meu pai fretava a rural do seu Moa e todos rumávamos para aquele santuário. Nós meninos íamos apertados no seu bagageiro felizes da vida. Os adultos ficavam por longas horas sob a sombra das árvores e o refrigério daquelas águas límpidas e geladas, por muito tempo, batendo papo, bebendo vinho ou cerveja e nós, meninos, correndo, pulando e batendo o queixo à procura de um descampado ao sol.
                                                 O carnaval era uma diversão para adultos. Havia os “blocos de sujo”, mascarados, bandinhas e muitos porres nas ruas. Há de se registrar, porém, que havia o carnaval de salão. A banda do meu pai fazia retumbante sucesso no carnaval de salão. Seus componentes eram bons de frevos, maracatus, marchinhas, etc. Uma só vez na “quadra carnavalesca” havia o carnaval das crianças e o dos jovens. Esperava com ansiedade o carnaval dos jovens no melhor Clube da época, o Centro Recreativo. O Centro Recreativo, um prédio monumental de estilo Vitoriano (a meu ver) cuja arquitetura é cheia de detalhes e assimetrias, com múltiplas entradas, de teto alto e anguloso, reunia a fina sociedade santarena. Lá eu, apesar da idade e sem muita profundidade crítica, sentia-me um penetra (morava na periferia do bairro da Prainha), porém, meu pai era o músico maior e, portanto, podia ousar, sei que podia...Pois bem, no melhor que minha mãe podia me vestir, fui para o carnaval juvenil do Centro Recreativo e me senti no mais suntuoso dos salões, digno de um príncipe medieval. Dancei com lindas garotas ricamente fantasiadas. Pulei, cantei, ri e me extasiei com tudo aquilo: cheiro de lança-perfume, confete, serpentina... Ninfas simplesmente lindas, delicadas, irreais, irreais...Um conto de fadas!     
                                                 Muitas outras coisas preciso contar! Vou contá-las os poucos para que não passe despercebido o ímpar viver da minha geração. Sei que as gerações futuras terão curiosidade em querer sabê-lo e dele extrair as boas experiências e, com certeza, saberão compreender nossos desacertos e ignorâncias.

Paulo Paixão

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