24 de abril de 2009

Nós, os otários do vale-transporte...


No livro Abusado, o jornalista Caco Barcellos conta a história do bandido Marcinho VP, chefe do tráfico no morro Dona Marta, no Rio de Janeiro, e membro ativo do Comando Vermelho. Uma das estórias que mais chama a atenção é a da mãe de um dos gerentes de Marcinho, o traficante Rebelde, garoto nascido e criado fora do morro e que um dia resolve entrar para o narcotráfico. Secretária em uma creche, cidadã exemplar, a mãe de Rebelde resolve abandonar o emprego e mudar-se para a favela, na tentativa desesperada de afastar seu filho do crime. E o que se observa é o caminho contrário: seduzida pela vida e dinheiro fáceis e pelos presentes comprados pelo filho com o dinheiro da atividade criminosa, sem precisar trabalhar, ela um dia declara que "cansou de ser otária". Decide ficar no morro de vez e até casa-se com um dos membros da quadrilha de Marcinho VP. Mesmo a morte do filho em confronto com a polícia e a prisão do marido não a demovem de viver a vida bandida.

Hoje eu me senti um otário, quando li a declaração do senador Epitácio Cafeteira (PTB/MA), que ao revoltar-se com o fim da farra das passagens aéreas declarou que "daqui a pouco estaremos recebendo vale-transporte". Cafeteira, notório defensor de Renan Calheiros em um dos muitos escândalos da história recente do Parlamento nacional, deve considerar indigno receber vale-transporte. Coisa de otário que trabalha feito operário...

Não, ele é um dos membros da nobreza, não pode descer a tanto! Deêm-lhe já suas passagens aéreas, para passear com a esposa e amigos em Paris! Vale-transporte é coisa da ralé, que precisa trabalhar para ter seu sustento honesto...

Engraçado é que o partido de Cafeteira, o PTB, orgulha-se de ser o pai do vale-transporte, apontando-o como uma sólida e histórica conquista do trabalhador. Claro que, por considerar o vale-transporte algo indigno, coisa de otário mesmo, Cafeteira guardou o filé para si e seus colegas da nobreza: a passagem aérea sem limites, para ele mesmo, parentes, agregados e aderentes. A nós, os otários trabalhadores, resta a mixaria do vale-transporte. Para nós, a plebe ignara, Cafeteira e seu partido deram o pão e o circo. Para ele e seus apaniguados, os membros da nobreza, reservaram por conta própria (com o nosso dinheiro) as delícias dos palácios...

Há muitos anos meu avô, um esforçado trabalhador que só tinha o ensino básico, cearense que criou cinco filhos com muito sacrifício, dizia que "um homem sério não se mete em política". Meu pai, honesto trabalhador do Serviço Público, teve oportunidade de estudar e concluiu inclusive um mestrado. Dizia que havia bons políticos, e que a idéia de que são todos iguais só servia aos maus políticos, pois igualava tudo por baixo, impedindo-nos o julgamento correto sobre as virtudes dos parlamentares. Meu pai acreditou no Brasil até o dia de sua morte e muito trabalhou pelo país, durante mais de 50 anos. E eu cresci acreditando nele, pela admiração que lhe votava, pela sua experiência de vida e pelo conhecimento conquistado por seus anos de estudo.

Hoje sou forçado pelos acontecimentos a retomar o pensamento do vovô: um homem sério não se mete em política. Um homem sério trabalha, esforça-se e vira otário. Vai receber vale-transporte até se aposentar, como eu...

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