7 de janeiro de 2010

Monitoramento de áreas de risco em encostas está ‘completamente abandonado’, diz o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos

Do Portal Ecodebate:
Vista do Morro da Carioca, no centro de Angra, onde 17 pessoas morreram por causa do deslizamento. Foto de Roosewelt Pinheiro/ABr
Vista do Morro da Carioca, no centro de Angra, onde 17 pessoas morreram por causa do deslizamento. Foto de Roosewelt Pinheiro/ABr
As chuvas que atingiram o Sudeste nas últimas semanas provocaram deslizamentos em diversas áreas da Serra do Mar e estragos em inúmeras estradas da região. No Rio, houve problemas na altura de Angra dos Reis e em Teresópolis, sendo os mais graves os escorregamentos do morro da Carioca e na praia do Bananal, em Ilha Grande, locais onde ao menos 52 pessoas morreram. Em São Paulo, houve pelo menos dez casos de deslizamentos de terra e prejuízos em vias provocados por temporais e transbordamentos de rios. E em Minas, a BR-356 foi interditada por risco de queda de pedras.
Para o especialista em geologia de engenharia, geotecnia e meio ambiente Álvaro Rodrigues dos Santos, a repetição ao longo dos anos de incidentes do gênero reflete uma histórica falta de monitoramento e manutenção das encostas pelo poder público. Reportagem de Fabiana Uchinaka, no UOL Notícias.
Segundo ele, os acidentes são recorrentes e se houvesse um acompanhamento das áreas de risco muitas mortes e perdas poderiam ter sido evitadas. O monitoramento e a manutenção das encostas, explicou ele, são essenciais para detectar problemas e hoje são atividades “completamente abandonadas” pelos governos.
“Todo deslizamento dá um aviso antes de acontecer: trincas nos terrenos, rachaduras nos sistemas de drenagem, abatimentos na pista, alagamento em aterros, etc. Se houvesse monitoramento, os problemas seriam corrigidos e o acidente evitado”, disse. “Esses seguidos desastres vêm ocorrendo, e anualmente aumentando a incidência de sua ocorrência, devido exclusivamente à não aplicação dos conhecimentos tecnológicos”, completou.
O Brasil, de acordo com ele, tem pleno domínio tecnológico para evitar ou reduzir a riscos mínimos a ocorrência de acidentes. Portanto, não se pode culpar a chuva pelos estragos. “Nunca a culpa é da natureza. A natureza não erra nem acerta. Quem erra ou acerta é o homem. Não há nenhuma surpresa na intensidade da chuva. Todo ano chove muito nessa época e nessa região. Assim como não é surpresa que a Serra do Mar é uma região instável, sujeita a escorregamentos. Ainda vai morrer muita gente, porque os nossos administradores não têm como prioridade resolver esses problemas”, afirmou.
Santos destacou que as estradas mais antigas foram abertas a partir de uma tecnologia ultrapassada de recortes das encostas, em vez de túneis. Além disso, a ocupação irregular dos morros também contribui muito para a instabilidade das regiões que hoje registram acidentes.
“É papel da prefeitura não permitir que as áreas próximas às encostas não sejam ocupadas de forma nenhuma. Não é papel de quem foi morar lá por falta de opção. São ocupações totalmente inadequadas, mas existe um componente social. Se o poder público não oferece alternativas seguras de habitação, a ocupação de áreas de risco, onde ficam os terrenos mais baratos, não será interrompida”, analisou.
Segundo Edmur Mesquita, assessor especial do governador do Estado e coordenador do Projeto de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar, está previsto que 5.300 famílias que ocupam áreas de risco ou que pertencem ao Parque Estadual da Serra do Mar sejam transferidas para conjuntos habitacionais em Cubatão, na Baixada Santista. Até o momento, no entanto, nenhuma família foi removida.
De acordo com a Agência Metropolitana da Baixada Santista, responsável pela região, ações para conter a expansão habitacional na Serra do Mar já estão sendo feitas e o primeiro conjunto habitacional, que fica no Parque São Luís, está em construção.
Já a Defesa Civil de Cubatão informou que um mapeamento das áreas de risco de Serra do Mar foi feito em 2006.

Um comentário:

Carlos Faria disse...

É verdade que a monitorização da estabilidade de vertentes pode evitar catástrofes, mas será praticamente impossível eliminar todas.
Um dos problemas reside no passar do tempo. O acompanhamento pode identificar indícios de instabilidade, mas dificilmente poderá dizer o momento da sua ocorrência e se em paralelo não houver um ordenamento adequado da ocupação do solo, um alerta para o perigo pode ser esquecido ou mesmo desprezado intencionalmente pela população que fará pressão para ocupar esses locais de risco sem um impedimento legal adequado.
Nos Açores existem locais interditos legalmente pelo risco de movimentos de massa que não sofreram derrocadas durante anos e isso gera pressões económicas e sociais difíceis de resistir, contudo a cedência pode originar uma catástrofe esperada, mas sem data marcada.
Também existe a situação inversa, onde locais sem alertas ou com o risco conhecido são focos de investimento, até um dia todos se chocarem com uma catástrofe previsível.
Só a identificação dos riscos naturais acompanhada de um ordenamento do território (onde aqueles sejam uma componenente que resista a essas pressões), devidamente seguida por equipas de monitorização pode a prazo reduzir a frequência destas catástrofes.